Os gaúchos do Brutal
Morticínio lançaram no ano passado seu segundo trabalho “Obsessores Espíritos
das Florestas Austrais”. Optando por um Black Metal visceral, com variações de
climas e andamentos, a banda traz letras em português que abordam o orgulho
latino e a resistência dos povos indígenas. Conversamos com o vocalista e
guitarrista Tormentor, que deu mais detalhes sobre a banda e sua postura e
sonoridade diferenciada.
“Obsessores
Espíritos das Florestas Austrais” saiu seis anos depois do debut “Despertar dos
Chacais... O Outono dos Povos” (2008) que foi relançado em 2009. O Relançamento
do primeiro álbum foi o motivo desse tempo maior entre um trabalho e outro?
Tormento:
Saudações! Primeiramente gostaria de agradecer ao espaço concedido pelo zine
para a horda. É um grande prazer poder fazer parte de suas profanas páginas. O
álbum “Despertar dos Chacais... O Outono dos Povos” foi relançado em 2008 como
você bem apontou e foi relançado no formato, digamos assim, oficial novamente
em 2012 (uma vez que os outros lançamentos foram em CDR). Podemos colocar esse
relançamento que explicaria em parte a demora no lançamento do álbum seguinte,
entretanto passamos por outros problemas. A banda nesse meio tempo (2008-2014)
passou por inúmeras formações, o que prejudicou um registro mais preciso e com
qualidade desse período. O próprio “Obsessores Espíritos das Florestas Austrais”,
teve a sua gravação iniciada 2 vezes com formações diferentes e só conseguiu
ser concluída em 2014.
E
como foi o processo de composição do novo álbum? Enfim, quais principais
diferenças destacariam entre os dois discos?
Tormento:
O
“Obsessores Espíritos das Florestas Austrais” tem claramente uma pegada mais
melancólica que o disco anterior, particularmente os sons que passaram a ser
ouvidos pelos integrantes da banda eram mais melancólicos, eu particularmente
ouço bastante DSBM. Na época de nosso primeiro álbum as influências eram bem
próximas, mas havia também a influência de bandas de Thrash e bandas de Death e
Black Metal. Acho que o novo álbum é um prosseguimento natural do primeiro,
basicamente abordamos a mesma temática e temos um ponto de vista, social,
cultural e político sobre temas como a colonização e a homogeinização da
cultura ocidental. Acho que a realidade é ainda mais melancólica por isso o
álbum soou dessa maneira, mas acho que ele apenas reflete ainda que
inconscientemente a perspectiva melancólica que temos de mundo.
Em
“Obsessores Espíritos das Florestas Austrais” nota-se uma evolução natural e
uma grande aproximação de sua identidade própria. Essa busca por algo mais
característico é a intenção do Brutal Morticínio?
Tormento:
É bom ouvir isso, mas isso tudo soou de uma maneira bem natural desde as
composições passando pelos arranjos das músicas e também as nossas influências
que passaram a acrescentar mais bandas de DSBM. Acho que essa diferenciação e a
evolução é muito mais por conta do entrosamento que conseguimos manter com essa
formação de banda do que necessariamente com alguma técnica que tenha sido mais
trabalhada ou apurada por nós. Em minha opinião as bandas que tem a técnica em
demasia tornam a sua música “matemática” demais transmitindo algo artificial e
nenhum feeling, em suma é vazio. Nem de longe é o que buscamos com o Brutal
Morticínio. Pelo contrário buscamos ao máximo que a música reflita a letra
sobre a qual estamos falando e aproxime ao máximo essa névoa densa, dolorosa e
violenta que é a história e a realidade em que estamos inseridos.
Outra
coisa que chama atenção no novo trabalho é o fato de a banda investir mais no
Black Metal, deixando de lado um pouco das influências de outros estilos como o
Death Metal, por exemplo. Vocês concordam?
Tormento:
As minhas influências mais atuais ficam por conta de bandas como o Nocturnal
Depression, ao qual tivemos a honra de dividir o palco, o Aras (Iran), Xastur,
Bethlehem, entre outros. Poderia dizer que é um estilo de som um pouco menos
técnico, mas no meu ponto de vista, é muito visceral e sincero. Particularmente
sempre fui mais voltado para o Black Metal e sua interpretação mais ortodoxa,
digamos assim, da realidade. Gosto das coisas em sua essência. Sobre o caso do
Death Metal e sua cena, o que tenho visto ultimamente são muitas bandas desse
estilo com um postura cada dia mais ‘mainstream’, com raras exceções é claro, e
é importante aqui não generalizarmos.
Proliferam-se os festivais em que o cast é formado de bandas deste
estilo musical e minha impressão é que grande parte das bandas não quer se
diferenciar, ao contrário, quer soar
exatamente como as outras tantas já existentes, sem contar com a sua postura.
Atualmente escuto poucas bandas de Death. Acho que até de maneira inconsciente
fomos tomando esse rumo um pouco mais voltado para o Black Metal em comparação
ao primeiro álbum. É lógico que na cena “Black” existem muitos problemas, mas
não os vejo da mesma maneira ou da mesma ordem.
Aliás,
apesar de investir em uma sonoridade mais visceral, vocês não deixam a técnica
de lado. Fale-nos um pouco a respeito disso.
Tormento:
Fico muito agradecido e tomo suas palavras como elogio, mas como comentei
anteriormente não acho que o Brutal Morticínio seja necessariamente uma horda
técnica, acho apenas que isso se deve ao entrosamento da formação da banda que
pode produzir esse tipo de som e também como comentei tenho certa aversão por
bandas muito técnicas exatamente por não transmitir o sentimento real da música
e apenas algo bastante artificial. Acredito que apenas focamos um pouco mais no
lado obscuro nas nossas composições o que fez com que o som soasse
significativamente deferente em comparação ao primeiro álbum, além disso, as
influências de DSBM e até mesmo de Doom Metal ficaram um pouco mais claras.
O
Brutal Morticínio sempre procurou variar no andamento de suas composições. Este
é um processo natural ou uma proposta imposta por vocês?
Tormento:
Posso dizer que essas variações foram bastante naturais no som, mas ao mesmo
tempo foram necessárias para que pudéssemos alcançar a atmosfera em que se
abordava nas letras, por vezes algo mais agressivo, por vezes algo mais denso e
com as bases que são bem característicos do Brutal Morticínio. Podemos dizer
que chegamos muito próximos do resultado ideal em que planejávamos para o
álbum, mas é lógico a criação nunca está concluída, houve sons que foram
cortados e outros que na opinião da banda poderiam ter sido executados de
maneira um pouco diferente, mas enfim, isso tudo faz parte do processo de
gravação, composição e do próprio processo de criação.
Além
dessa variação, há uma variação também no clima das composições passando por
ares maléficos, melancólicos e outros mais densos. Este também é um fator que
contribui para que a banda soe mais característica?
Tormento:
Acredito que essa mistura de ritmos e variações é bem próprio de nossas
influências que, como disse, entram desde o DSBM até o Doom, passando lógico
pelo Black Metal mais tradicional e antigo. Essas variações acabam por serem
bem características dessa formação mais atual da banda. Sinceramente não gosto
de bandas que parecem exatamente iguais a alguma outra, por mais que a banda
“original” por assim dizer, seja ótima. Acho que quando as pessoas resolvem
montar uma horda deveriam propor algo novo, algo que jamais foi ouvido, em
minha opinião não há muito sentido em soar exatamente como tudo o que já foi
feito, é absolutamente sem sentido. È importante termos opinião e obviamente
somos influenciados, mas sinceramente não apoio bandas cover e nem sequer
bandas que são um espelho de outras que já existem.
Vocês
optam por cantar em português. Por que decidiram cantar na língua pátria e o
que procuram passar com suas letras?
Tormento:
Ouvimos muitas bandas norueguesas, suecas, alemãs que cantam em seu idioma
original, sem causar maiores espantos. Naturalmente compreendo a sua pergunta e
sinceramente acho um pouco triste que poucas bandas do cenário nacional façam o
som em português. Com o Brutal Morticínio a opção por cantar em português
surgiu de uma forma quase que natural, cantamos sobre a nossa realidade, nossa
história, estamos voltados principalmente para essas questões e para a cena
nacional, tanto que as letras sempre versam sobre isso. Além disso, as bandas
de nossa região, como a Sombriu, Serbherus e Movarbru seguem essa mesma linha
dos sons compostos em português. As letras da banda em geral falam de orgulho
latino americano e a resistência dos povos indígenas frente à opressão dos
brancos cristãos. Buscamos tentar atuar combativamente as práticas do
cristianismo/capitalismo que se permeia e se reproduz em meio a nossa sociedade.
As letras da horda procuram versar sobre essas contradições próprias desse
sistema explorador.
Aliás,
o novo disco vem com as letras traduzidas para o inglês no encarte. Como e por
que surgiu esta ideia, louvável, por sinal?
Tormento:
A tentativa era de uma possível entrada no “mercado” internacional,
principalmente na America latina que é o nosso principal foco, entretanto até o
momento a cena destes locais, ou sei lá, os produtores e distros tem sido
bastante fechados em relação às bandas do real underground nacional.
Infelizmente a abertura e a boa aceitação que temos dentro da cena nacional não
têm se repetido no cenário internacional. O que pude notar até o momento, é que
principalmente a Europa protege bastante os seus “artistas” restringindo ao
máximo a entrada de bandas de outras áreas do mundo. Podemos verificar isso,
pois temos pouco contato com bandas asiáticas, por exemplo, ou mesmo com bandas
da África.
Como
foi trabalhar com Roger Fingle no estúdio Nitro. Com ele vocês alcançaram o
resultado que almejaram na produção de “Obsessores Espíritos das Florestas
Austrais”?
Tormento:
Sem dúvida o trabalho de Roger Fingle é realmente muito profissional e
conseguimos soar muito próximo da maneira que gostaríamos. Buscamos junto ao
estúdio Nitro exatamente essa aura um pouco mais obscura que fez soar no álbum
e um toque de Doom Metal, sem perder em nenhum momento a agressividade,
característica básica do Brutal Morticínio. Outro aspecto relevante é que
fechamos uma boa parceria e é muito provável que os próximos álbuns do Brutal
Morticínio serão em parceria com este grande produtor.
Além
de divulgar o novo disco, quais são os planos para 2015?
Tormento:
Pretendemos durante esse ano continuar com a divulgação do álbum que até então
teve uma boa aceitação, embora ainda tenha repercutido um pouco menos que o
outro, as cópias da banda e de várias distros já se encerraram. Acredito que
isso seja um bom sinal. Queremos também seguir fazendo shows em divulgação ao
álbum, sabemos das limitações do underground nacional, mas a nossa intenção é
chegar a todos os cantos do país. Em paralelo, já estamos elaborando alguns
sons para um futuro álbum, mas as coisas são bastante embrionárias ainda
Muito
obrigado pela entrevista. Este espaço é de vocês.
Tormento:
Eu é que agradeço em nome do Brutal Morticínio. É sempre muito prazeroso fazer
parte das páginas de zines do necro underground nacional. Gostaríamos de
aproveitar o espaço para deixarmos os endereços de contato!
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