quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Killing Yourself: Carlos Lopes (Dorsal Atlântica)




A honra é tão imensa que dificulta a apresentação deste “Killing Yourself”, que já contou com alguns dos principais nomes e alicerces do Rock/Metal brasileiro em suas fileiras. E sem desmerecer esses participantes, aqui está um dos responsáveis pelo Metal brasileiro está aí até hoje, mesmo ele não se considerando ‘do Metal’. Mas ele é, e vai além disso, pois soa musical, até mais do que polêmico (como dizem por aí), e de uma forma única, espiritual como ele mesmo dá a dizer. Este é Carlos Lopes, líder da Dorsal Atlântica (que “pode ser simbolizada como a Terra: a mãe-primordial, o fundamento”, explica o próprio), mentor do Mustang (“é como o Fogo: paixão que queima, é a chama que se alastra em uma explosão”) e da Usina Le Blond (“é a mistura do Ar e da Água: as idéias, a mente elevada, o sentimento sempre lá em cima”) e também conhecido como Carlos “Vândalo”, pseudônimo que (dizem) abomina. Este é o nosso convidado da vez, que fala praticamente de toda a essência de seu trabalho musical no Killing Yourself. “Precisaria escrever um livro, para cada um dos discos, sobre as questões técnicas de gravação. Disse precisaria, mas vamos que vamos! As três bandas – Dorsal Atlântica, Mustang e Usina Le Blond – têm o mesmo significado para mim. Não há diferenças. Desculpe-me se o leitor é só do Metal... Eu não sou e nunca fui. Orgulho-me de ter feito tudo o que fiz, de tudo o que compus, gravei, escrevi e desenhei porque essa é a minha história. Fugir do óbvio deveria ser no mínimo, a obrigação de todo artista”.

Dorsal nos anos 80


“Antes do Fim” – Dorsal Atlântica (1986): O nosso primeiro LP, considerado o maior disco de metal brasileiro de todos os tempos com a capa mais emblemática (reproduzida em dezenas de tatuagens) e o que contém o hino Guerrilha! O primeiro disco latino americano que somou Punk, Hardcore e Metal. UFA! Não é pouca coisa! Um disco com apenas 18 horas de gravação e mixagem. Estávamos ensaiados, mas éramos inexperientes. As deficiências técnicas se transformaram em qualidades aos olhos do underground, fato pouco entendido pelas gerações crescidas com gravações “perfeitas”, moldadas em computador. Há uma anotação antiga que diz que o baixo foi gravado “na linha” (diretamente no console) juntamente com a bateria microfonada. Gravei 2 bases de guitarra, solei com um pedal fuzz Big Muff em um amplificador combo Marshall (amplificador de guitarra e o baixo emprestados pela banda Azul Limão). Cantei todas as faixas na sequência. Uma curiosidade: quem esteve gravando no mesmo estúdio - e se horrorizou com a nossa música - foi o guitarrista argentino Victor Biglione, botafoguense como nós, e que moraria em nosso edifício logo depois. Como a vida é curiosa...!

“Dividir & Conquistar” – Dorsal Atlântica (1988): O nosso primeiro lançamento pelo selo/loja carioca Heavy e o nosso segundo álbum gravado no final de 1987 para romper com as correntes do “Antes do Fim”. As letras do “Dividir...”, narrativas e poéticas, são uma transposição do formato de um conto para o gênero musical. No estúdio, fomos brindados com um técnico de gravação que cheirava durante as sessões e que babava em cima do console. Apesar de termos uma bateria brasileira novinha, emprestada por um amigo, o instrumento não afinava. Encontramos a solução no canto do estúdio: a mesma bateria, com as mesmas velhas peles, que havíamos usado dois anos antes na gravação do “Antes Do Fim”! E que afinava! As guitarras foram gravadas sem nenhum efeito especial, somente com um amplificador combo da Marshall, transistorizado, também emprestado. Gostávamos de nossa sonoridade crua, apesar de a música estar mais “refinada”, como nos solos de Preso Ao Passado inspirados em O Concerto de Brandenburgo de J. S. Bach. Essa soma entre Punk cru, Thrash cru e música erudita nos destacava do que rolava musicalmente naquele momento. Incluímos passagens de teclado - sob o comando de Celso Suckow do Metamorphose - e vozes eruditas entoadas por Rodrigo Esteves do Azul Limão. Vinícius Mathias, baixista da mesma banda, tocou piano e trabalhou como assistente de gravação. Para fechar com chave de ouro, Sílvio S.D.N., o vocalista do Mutilator, participou de Preso Ao Passado, Tortura e Violência é Real.

“Searching For The Light” – Dorsal Atlântica (1990): A primeira Ópera-Thrash do mundo e o terceiro álbum completo de estúdio da Dorsal Atlântica, uma pequena orquestra clássica executando Rock pesado. As letras tecem uma profunda reflexão sobre o Brasil, uma república das bananas terceiro-mundista onde os bicheiros governam; o surfe ferroviário é o esporte favorito, e as classes baixas vivem em bueiros. Enquanto, é claro, a elite governa nas coberturas. O primeiro disco da banda gravado em inglês. O meu irmão me ajudou a comprar uma guitarra melhor, uma Charvel Jackson branca, vendida pelo Sérgio Serra, guitarrista do Ultraje a Rigor, enquanto o ex-dono do instrumento, o cantor Léo Jaime, insistia em “alertar-me” (rindo) que a guitarra não afinaria. Entre junho e julho de 1989, o selo Heavy alugou o estúdio de gravação de um dos filhos adotivos do “Doutor” Roberto Marinho das Organizações Globo, em Valença, no interior do estado do Rio, em uma antiga fazenda de café do Barão do Rio Branco. Descartei a primeira gravação das bases de guitarra porque achei o som muito abafado. Posicionamos as caixas de guitarra, uma de frente para a outra, e colocamos paredes móveis, usadas para abafar o vazamento de som em gravações, cercando as caixas. Os microfones entre os amplis. E deu certo. Este disco marca o amadurecimento da banda, a saída do baterista Hardcore e a chegada da década de 90.

Carlos Lopes e Lemmy Kilmister (Motörhead)


“Musical Guide from Stellium” – Dorsal Atlântica (1992): Em agosto de 1992, uma parceria entre a Heavy do Rio e a Cogumelo de Belo Horizonte nos levou a gravar em Belo Horizonte, e pela primeira vez com um produtor de verdade: Marcos Gauguin, ex-baixista da banda progressiva Sagrado Coração da Terra, e guitarrista expert em Beatles. O estilo dele era “limpar e organizar o som”, o que não nos pareceu muito “correto”, mas cedemos em prol do nosso crescimento.  A produção correta abalizou a nossa proposta de somar espiritualidade, Rock pesado, Thrash e elementos musicais dos anos 70. Um dos truques do produtor era posicionar o microfone no buraco de um antigo vinil, para servir de “defletor” ao gravar a guitarra e aumentar um dos faders de freqüência média em um equalizador gráfico ligado ao console. Marcos Gauguin nos ensinou que músico toca em estúdio para o microfone e não para o público. A grande dica é soar o melhor que se pode, dentro de quatro paredes e para isso aprendemos diversas técnicas de como tocar com as baquetas até a forma correta de segurar uma palheta. Cantei todas as músicas na sequência, e sem intervalos. A arte da capa, mostrando Shiva, a divindade Hindu, feita por Octávio Aragão (inclusive, o autor da primeira logo marca da DORSAL, no pré-vestibular) e Gilberto Zavarezzi concorreu como “melhor capa de 1993” na revista brasileira Bizz.

“Alea Jacta Est” – Dorsal Atlântica (1994): A história do disco, o último capítulo de nossa primeira trilogia de óperas-thrash (Searching, Musical e Alea), versava sobre preconceito, religião e as mazelas sociais tecendo uma analogia entre Jesus e um negro carioca favelado, também crucificado. Na época, o Black Metal brasileiro dava as caras no underground e alguns dos antigos fãs, que agora tinham suas bandas “norueguesas” alegaram que o “Alea...” seria um disco “cristão”... “Alea Jacta Est” foi produzido em Belo Horizonte em março de 1994, também por Marcos Gauguin, mas esse seria o seu último trabalho conosco por causa do crescente barulho que fazíamos, o que não era muito do gosto de nosso produtor. Para coroar o “Alea...”, a MTV brasileira exibiu o clipe de Take Time à exaustão. Nesse clipe, o nosso roadie Robinson Crusoé assumiu o papel de Cristo Negro. O vídeo de Thy Kingdom Come foi censurado pela MTV Latina de Miami, porque os americanos alegaram que havia exibição de seios femininos. Na verdade, eram seios de um travesti!

Dorsal nos anos 90


“Straight” – Dorsal Atlântica (1996): “Straight” foi o primeiro trabalho da banda produzido no exterior. Gravado no Rhythm Studio de Paul Johnston na Inglaterra em fevereiro de 1996. 23 faixas sobre princípios e valores em oposição à moda da época: o metal-melódico. O título do álbum refere-se ao meu trabalho em grupos espirituais, e por eu não beber e nem comer carne. Essa era a minha coerência pessoal, mas a banda não estava na mesma sintonia. Esforcei-me demais para que tudo desse certo, mas a sintonia era péssima, muita gente negativa e a gravação foi um fardo. Meu irmão não pode gravar por questões pessoais e até hoje, apesar de o disco ser muito bem gravado, tenho mais carinho pela demo gravada com o meu irmão. Houve um momento em que o Paul me confidenciou que estava preocupado porque não conseguia alcançar o que eu queria. E o tempo era curto: gravação e mixagem em uma semana – abaixo de zero! Acalmei-o e disse, que juntos, eu e ele, conseguiríamos. Foi a primeira vez que gravei guitarra com um pré e um Power e não com um cabeçote. E aprendi a cobrir os microfones com tapetes! Usamos umas 80 horas de estúdio, e não pudemos comprar as fitas master. Como a duração do nosso CD era maior do que o tempo disponível em duas fitas de rolo, operamos a máquina de gravação na metade da velocidade, em 15 IPS, o que engordou o som. Nessa fase, na Europa, desisti de vez da banda e de ter carreira no exterior. Música é uma missão espiritual e a missão estava maculada. Conscientizei-me que para continuar, teria que fingir que falsidade, sexismo, alcoolismo e uso de drogas eram normais. De positivo, “Straight” permitiu à banda apresentar-se no festival Monsters of Rock, dois anos depois, em São Paulo com Slayer, Manowar, Megadeth, Saxon e Dream Theater.

“Terrorism Alive” – Dorsal Atlântica (1999): Uma semana antes da apresentação no festival Monsters of Rock gravamos o nosso primeiro ao vivo em Fortaleza – lançado juntamente com a primeira edição da biografia Guerrilha!. O show foi gravado em 2 fitas ADAT, 8 canais cada, com todos os vazamentos possíveis e mixado posteriormente em São Paulo. A banda estava bem ensaiada e ao vivo tocávamos tudo a mil por hora, o que é nítido ao se ouvir o CD. O repertório desse disco soma o “Straight”, recém lançado, com alguns clássicos dos discos anteriores. Com essa mesma formação ainda gravamos uma demo - para um futuro disco de estúdio nunca lançado – que viu a luz do dia no CD de demos e piratas “Pelagodiscus Atlanticus”. Por volta de 2000, resolvi procurar novos ares e dei fim à Dorsal para gravar e tocar com o Mustang e a Usina Le Blond durante os dez anos seguintes.

Usina Le Blond


“Hekamiah e Usina Le Blond” – Usina Le Blond (2000): Disco da minha libertação como compositor e artista. Na época foi um choque para a metaleirada – melhor nome não posso dar – e o editor da revista Rock Brigade escreveu que eu queria ficar rico com o “profícuo mercado do funk carioca”! – S.Q.N. porque ao fazer isso, eu estava perdendo dinheiro! O primeiro disco da banda, - gravado entre novembro de 1999 e janeiro de 2000 - em que toquei bossa nova, samba, e baião, tudo com pegada de rock. Um Funkadelic carioca por assim dizer. O primeiro disco que gravamos bateria com metrônomo. A primeira vez que escrevi partituras para um soberbo trio de metais gravar (Elizeu Gonçalves no trombone, Alexandre Silva no trompete e João Batista de Souza Morais no sax tenor). Músicas que tocamos em dezenas de shows ao vivo com destaque para as faixas Caju - em homenagem ao futebolista Paulo César Caju -; Santa Teresa; Greta Garbo; Artista (com letra de meu avô) entre outras. Um elogio que recebi sobre esse disco veio – inusitadamente – do músico norte americano Mick Collins do The Gories e do The Dirtbombs. Na Usina, tocaram Alexandre Farias da Dorsal; Bruno Schubnel do X-Rated e nesse CD participou Alex Guimarães (Imago Mortis) no piano Kawai. Músicos de primeira linha.

“Rock and Roll Junkfood” – Mustang (2002): O disco de estreia gravado ao vivo no estúdio em fita ADAT em outubro de 2001. Feito com a intenção de romper com o passado, “Junkfood” é um disco mestiço e vermelho em homenagem ao MST. O nome da banda tem um triplo sentido: Mustang é um cavalo selvagem; um carro, e uma guitarra. Poder, transformação e eletricidade. Mas segundo o meu Brasil e não segundo os gringos! A maior parte das músicas foi composta em 1996 (ainda na Dorsal) com o coração nas primeiras bandas de rock pesado que escutei como Kiss, UFO e principalmente Punk Rock 77, Beatles e Rolling Stones. O Mustang nasceu para reavivar a chama no coração do menino de 13 anos, que ainda não pretendia tocar, era apenas um fã. E sendo assim, queria que esse disco do Mustang tivesse uma produção rústica e real, diferente do mundo plástico que havia tomado conta do Rock, das produções artificiais. O disco foi gravado ao vivo, baixo, guitarra, solos e bateria. Só as vozes foram adicionadas depois. “Junkfood” é fruto da necessidade de me reescrever, e de resgatar a vontade de compor e tocar. O disco foi lançado em 3 versões: picture disc, vinil vermelho e CD em português com algumas das mesmas faixas em inglês. A composição Bloody Barbecue Rock N’Roll, associada aos atentados de 11 de setembro nos EUA, começa com o hino americano que emenda com o antigo jingle popular: “Quero ver você não chorar, não olhar pra trás, nem se arrepender do que faz...", crítica a lá Mustang!

“Usina Le Blond” – Usina Le Blond (2002): Segundo CD da Usina gravado ao vivo (menos as vozes) no sistema Pro-Tools em janeiro de 2002. Quase todo o disco foi composto no quarto de ensaios do nosso baterista, que na época era roadie de uma cabeçada que incluía Lulu Santos, Casseta e Planeta e Marisa Monte. A capa do CD foi desenhada pelo meu vizinho Cabral, excelente artista que infelizmente, já nos deixou. O desenho retrata a Lapa, zona boêmia carioca com vários seres da noite e há uma citação à felação com o personagem Macunaíma do filme de Joaquim Pedro de Andrade.  Não tenho muitas lembranças e anotações sobre esse disco, mas faixas como 25 de Agosto; Macunaíma; Música Nova e Resistência Cultural trazem-me boas recordações. Lotes de Funkadelic, Hendrix, Cartola, Tropicalismo, Mutantes, The Who e Tim Maia.

“Oxymoro” – Mustang (2004): A evolução ocorrida entre o CD anterior e esse segundo trabalho do Mustang foi gigante. O maior destaque, além da parte musical, são as letras, exóticas, sobre amor panssexual e urina. Na contracapa, Che Guevara está com os lábios pintados com batom rosa. Essa imagem explicita a intenção não de agredir, mas de rir contestando, o que não é fácil de explicar para gente carrancuda. O humor sempre foi um ingrediente essencial no imaginário do Mustang: Muito Além; Saco Cheio; Caridade; Cheiro de Mijo Guardado; Ela Lê a Bíblia! Sobre o nome do CD: eu havia entrevistado os 3 músicos remanescentes da banda MC5, uma das minhas favoritas, antes da gravação do disco. Na entrevista, o guitarrista Wayne Kramer usou o termo oximoro, que simboliza dubiedade, como por exemplo “Inteligência da Polícia”. Achei que esse título simbolizava minha percepção do que é o Rock: uma música que pode te fazer evoluir assim como ‘involuir’, uma questão dúbia ao extremo, um verdadeiro oximoro.



“Antes do Fim, Depois do Fim” – Dorsal Atlântica (2005): Havia terminado com a Dorsal entre 2000 e 2001. Mas não queria parar com música. Sendo assim, decidi tocar o que quisesse, de Rock a candomblé e bossa nova. Para isso, fundei as bandas Mustang e Usina Le Blond. Em ambas tocava o maior baterista e o melhor ser humano com que convivi: Américo Mortágua. Nessa época ainda havia um tumulto jurídico sobre a posse das fitas master do álbum “Antes do Fim” original e sem poder relançar o original de 1986, regravamos o disco para comemorar os seus 20 anos. Pedi ao Mortágua espontaneidade e ele me retornou com segurança. Como baterista para regravar o disco, foi a única escolha possível. Ele nunca havia escutado o disco, mas ele entendeu tudo e sem soar saudosista me deu o que precisávamos. Ensaiamos 3 vezes e só. Gravamos o disco, ao vivo, entre a gravação de álbuns do Mustang e da Usina. Eu mesmo gravei o baixo porque meu irmão não pode gravar e eu não queria colocar um suplente. Seria macular o disco. O financiador do disco me confessou que havia chorado ao ouvir a regravação, pois ele achava que eu estava tocando outros estilos por não conseguir mais tocar Metal. Quando ele ouviu a regravação, se deu conta de que eu não tocava Metal porque simplesmente eu não queria. Isso sem contar que o produtor executivo prensou mais mil cópias sem a minha autorização e eu descobri! Gosto mil vezes mais desse “Antes...” do que do original. E não peço perdão.

Fase Mustang


“Tá Tudo Mudando... Mas Nem Sempre Pra Melhor” – Mustang (2006): Esse terceiro trabalho da banda foi pensado para ser uma homenagem aos anos 70, às bandas estrangeiras e brasileiras que haviam me influenciado. A capa do "Tá Tudo Mudando..." mescla o título do álbum “Let It Bleed” (1969) - Deixa Sangrar - dos Rolling Stones com o "Let it Be" (1970) - Deixa Estar - dos Beatles.  No nosso caso, o bolo original dos Stones foi substituído por uma daquelas tortas (de morango) de padaria. Essa é a "brasileirização" da história. Sempre tive como objetivo abrasileirar toda a informação, degluti-la e regurgitá-la como no Modernismo. No caldeirão musical da banda cabe Secos e Molhados, Mutantes, AC/DC, Sweet, Motorhead e Grand Funk, sem esquecer do glitter do T-Rex e do power pop do Big Star. Uma curiosidade: a revista Poeira Zine alcunhou o baixista Wlad Vieira de "Pelé do baixo", e isso sem saber que ele gravava os discos na hora com pouco ou quase nenhum ensaio! Imagine se soubessem...! Infelizmente, o ano em que minha mãe desencarnou, mas pelo menos ela descansou... Para ela, havia composto Velhice do “Dividir e Conquistar” na década de 80.

“Santa Fé” – Mustang (2008): Em 2008, gravamos o Santa Fé; publiquei a primeira edição da revista O Martelo, em papel; dei meu depoimento ao documentário Brasil Heavy Metal e terminei de escrever um livro sobre teorias conspiratórias chamado “O Segredo J. Um ano movimentado...”. Gravei a guitarra com 2 cabeçotes, o meu Marshall JCM 800 e um cabeçote Fender do início dos anos 70. Juntos, o melhor som de guitarra que já havia tirado, mas o estúdio estava com vários problemas, em reforma, não havia porta para isolar o som e o técnico de gravação estava brigado com o dono do estúdio! Foi um momento estranho, apesar de termos um quase-empresário que nos agendava shows com cachê, mas eu estava de saco cheio de ouvir a banda só falar em grana e não se esforçar. Tocamos na Virada Cultural em Araraquara, interior de São Paulo, e fomos roubados por um empresário paulista. Daí resolvi parar de tocar ao vivo de vez. Ou seja, em 2018 faz dez anos que não subo em um palco.

Dorsal com o baterista Américo Mortágua (falecido em agosto último)

“2012” – Dorsal Atlântica (2012): O disco de retorno da banda após uma interrupção de 12 anos. O disco foi gravado há poucos metros do extinto colégio Acadêmico, no bairro do Humaitá no Rio de Janeiro, no qual fizemos o nosso primeiro show, 31 anos antes. O disco foi financiado através de crowdfunding, financiamento coletivo, método à época ainda inédito e que hoje, 90% das bandas usam. E os ‘mi-mi-mi’ nos criticaram por isso, pela coragem de fazer, de sermos os primeiros socialistas no Metal. Mas cagar pela boca é típico da hipocrisia e inveja brasileiras. A missão do 2012 foi - tentar – explicar o Brasil, o Brasil que eu amo, a razão de a banda ter voltado e em um momento pessoal muito conturbado. Musicalmente, preferi não fazer o “Antes do Fim II”, mesmo que isso me custasse a popularidade. Escolhi a evolução artística e escrevi um disco antenado com as minhas conquistas musicais. Old School e banda cover são limitações indesculpáveis para mim. 2012 é um disco no qual cantei. Meus guturais têm sotaque de nordeste, de carioca, com separações silábicas de português brasileiro. É isso. E que bom! Naquele ano, recebi propostas, às dezenas para a Dorsal voltar aos palcos, mas desde o início disse que gravaria discos, mas que não tocaria ao vivo. O primeiro disco da Dorsal em que gravamos bateria com metrônomo. Gosto desse CD, composto em um mês, e sem eu tocar guitarra há 4 anos, mas sobre todas há uma faixa especial para mim: 168 bpm – com o batimento do coração do meu primeiro filho nascido no mesmo ano!

“Imperium” – Dorsal Atlântica (2014): Gravado no estúdio Superfuzz, Rio de Janeiro, entre setembro e outubro de 2014, este disco faz uma analogia entre a queda do império em 1889 e o fim da democracia brasileira, que ocorreria dois anos após a gravação. Compus o disco em 3 meses e o ensaiamos apenas 3 vezes. Houve insegurança no estúdio, mas eu segurei a barra. A gravadora Heavy financiou o disco, mas o valor era 1/3 abaixo do que precisávamos. Todos os músicos e técnicos trabalharam sem receber. Não havia dinheiro. E por causa disso, pelos problemas, o disco parou sem poder ser mixado. Um dos donos do estúdio, que não era meu amigo e nem tinha obrigação, me disse que mixaria de graça porque queria ver o disco pronto. Só para vocês terem ideia: o valor investido na gravação foi o mesmo valor da mixagem, que ele não cobrou! O nome desse anjo é Gabriel Zander! Na história do disco, Edgar Echt retorna ao Brasil, como o único herdeiro da mansão de seu tataravô, o abolicionista Thomas Echt. Na casa, Edgar encontra um diário, que conta detalhes sobre o relacionamento da família com o escravagista Imperador Victor II, e o golpe militar que depôs a Monarquia para instaurar a República.

Flying V usada em "Canudos"


“Canudos” – Dorsal Atlântica (2017): O melhor trabalho da Dorsal Atlântica! Brasil, nordeste, revolta, musicalidade, sangue, suor, alma, poesia. Falo isso, sem tirar ou por uma vírgula, um ano após a gravação. É uma ópera para ser ouvida do início ao fim, com o pôster em mãos, para se alcançar o espírito, a experiência completa. “Canudos” é o nosso melhor trabalho e o nosso epitáfio. O terceiro trabalho da trilogia política da Dorsal (2012, Imperium e Canudos). O Metal brasileiro reinventado em sua mais nobre faceta, sem colonialismos ou globalismos. Desenhei uma guitarra baiana Flying V para o disco e disse aos músicos (meu irmão e Mortágua) que eu não queria ensaiar e que gravaríamos o álbum ao vivo. Eles não peidaram na farofa e tocaram comigo ao vivo sem ensaios, apenas com a demo que lhes enviei! Certamente Antonio Conselheiro esteve conosco, fora outras ocorrências espirituais que aconteceram no estúdio! Este é um disco que me orgulha e encerra a história da Dorsal de maneira gloriosa. Obrigado, Conselheiro! Obrigado, Euclides! Amém, Suassuna, amém!

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2 comentários:

  1. Muito bom. Mas faltou falar sobre o trabalho mais importante para a história da música pesada nacional, e o 1º trabalho da banda. O "Ultimatum"

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  2. Grande Carlão, grande Dorsal - Voda longa ao metal Nacional

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