terça-feira, 4 de agosto de 2020

In Lo(u)co: Era uma vez...



Por Adalberto Belgamo

 

Década de 80. Sábado à tarde. Sol de rachar. Região central da cidade, onde as pessoas têm orgasmos por causa da classe média e sobrenomes. Dois jovenzinhos (12 e 13 anos) são abordados pelas “autoridades”, enquanto faziam o caminho de quatro quarteirões para ouvir vinis em um “aparelho de som” mais potente.

 

Um dos jovens era branco. Usava uma camiseta “vermelha” (pintada à mão) do “Vol. 4” do Black Sabbath e carregava três “long plays”: Kiss (“Rock And Roll Over”), Deep Purple (“In Rock”) e Black Sabbath (“Paranoid”). O outro pré-adolescente era negro (afrodescendente... “whatever”). Não usava camiseta de banda, mas era “negro”.

 

Os “rapazes” fardados - um tanto quanto fortes e “rancorosos” (seria por causa do salário e condições de trabalho? Teriam eles algum problema cognitivo? As duas condições? Mistérios da meia-noite) - “educadamente” enquadraram os dois “meliantes perigosos”. Mãos no coldre praticamente o tempo todo

 

Ao jovem “branco”, pediram os documentos e que também explicasse o que estava fazendo na rua (no máximo, duas horas da tarde) “ostentando” uma camiseta alusiva ao “comunismo” e às drogas. O mancebo com traços europeus da ‘velha bota’ (o nariz, principalmente – risos) ainda teve de ouvir: “Fica andando com esses negrinhos na rua... está pedindo para levar um corretivo!”

 

E o menino “negro”? Assustado, ouvia tudo com o rosto virado para um muro “chapiscado” de uma casa classe-média do cidadão branco de bem da família brasileira, enquanto olhava uma das autoridades com o pé em cima da camiseta (sem alusão a “cum” nenhuma) estendida na calçada. Sim, só faltou deixá-lo de cueca e meias sob o sol de rachar.

 

A vida seguiu. Continuam amigos, mas se veem com menos freqüência. Responsabilidades da vida adulta. E as abordagens? Prosseguiram? Por um tempo sim. Estenderam-se aos anos 90.

 

O menino pálido de outrora cortou as madeixas (ou tirou o capacete de playmobil da cabeça - risos). O Rock and Roll (e vertentes) e o “visual” foram engolidos pela sociedade e não chocam mais a tradicional família cristã de bem brasileira contra o anarcosatanismo comunista maconheiro da “União Soviética”.

 

E o amigo dele?

 

Bem... Não tinha madeixas para cortar, muito menos a pele trocou de cor. Algumas vezes, sente-se triste e furioso, em especial quando os filhos contam que foram abordados pelas “autoridades”. Nem de Rock eles gostam.

 

*Adalberto Belgamo é professor, atuando no museu (sem ser peça... ainda - risos), colaborador do Arte Metal, além de ser Parmerista, devorador de música boa, livros, filmes e seriados. Um verdadeiro anarquista fanfarrão.

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