terça-feira, 15 de dezembro de 2020

In Lo(u)co: Dorsal Atlântica e a tartaruga no feijão, Jaboticabal/SP – 1990

 


Por Adalberto Belgamo

 

O interior de São Paulo, na década de 80, era um celeiro de bandas e eventos underground. Thrash, Death e Black Metal chegaram ao Brasil, tornando-se “enormes”, levando-se em consideração o tamanho da cena.

Várias cidades do sertão paulista abrigavam bandas e festivais. Pelo menos uma vez por mês acontecia um evento com as próprias bandas locais e/ou com bandas “maiores” vindas da capital e de outros estados.

Uma das cidades, que mais organizava eventos e mantinha a cultura underground pulsante, era Jaboticabal. Não me lembro de como conheci os “figuras” (risos) - Fafa, Lara, Danilo, Marcelo “Tucano” entre outros - , mas a amizade de 30 anos sobrevive até hoje! E ainda proporcionou conhecer outras “figuras” de lugares diversos do interior paulista (Monte Alto, Ribeirão Preto, Americana, Campinas, Bauru, Jau, etc.)

A primeira vez que coloquei os pés na cidade foi nos meados dos anos oitenta. Aconteceu um festival em um galpão quente (folhas de alumínio) e longe da rodoviária. Se não foi o primeiro, foi um dos primeiros eventos underground “roots” do qual participei. Dois fatos me marcaram muito.



O primeiro foi uma banda de Franca/SP, que a cada cinco segundos repetia o “slogan”: “Vamos dar uma força para o Death Metal de Franca!”. Se eu não me engano tinha o nome de Blasfemer (ou Blasphemer). Eu não era muito familiarizado com a cena Death da época.  Boa banda! Mas no meio do forno micro-ondas, que virou o local... (risos).

O segundo momento emblemático foi em uma pizzaria após os shows. Não me perguntem como fui parar lá (risos). Alguns “doidos” para se servirem das pizzas, que eram colocadas nas mesas, enfiavam os garfos nas mãos das outras pessoas! Batalha épica! Eu consegui comer dois pedaços, apesar da carnificina! (risos)

A partir de então, frequentava a cidade (e outras) sempre que havia um evento. E aconteceram vários festivais no Teatro D. Pedro II e na Discoteca Aquarius.

Em 1990, ocorreu um dos shows mais memoráveis de bandas tupiniquins. A Dorsal Atlântica desembarcaria na cidade em um Sete de Setembro. Um marco histórico para a época.  Turnê do “Searching For The Light” (1989). Entretanto, como o surrealismo estava sempre presente nos rolês de Metal da década de 80, apelidei o show de o “Dia da tartaruga no feijão”. Explico.

Na época, um amigo e eu fazíamos um fanzine “old school’. Tínhamos conseguido uma entrevista com o Carlos Lopes (Vândalo, na “capirotagem”- risos).  Quase que não consigo ir ao show.



Chegando a ‘Jabuca’, fui direto para a casa de uma “figura”, que insistiu para eu almoçar. E conversa vem e conversa vai, e tale e coisa e coisa e tale. Eis que do nada aparece uma tartaruga na cozinha. O “doido” colocou o bichinho para nadar na panela de feijão! Eu não acreditava no que estava presenciando! Surreal!

(Nota do autor: o feijão não estava quente e a tartaruga se divertiu com o banho de sementes da família Fabaceae - risos)

Depois de devidamente alimentados, fomos ao local do show, a Discoteca Aquarius. Ao mesmo tempo em que as bandas chegavam e passavam o som, aumentavam público e o teor alcoólico do lado de fora.

As bandas, que abriram o festival, foram o Viking e o Anesthesia.

O Viking faz (estão na ativa até hoje!) aquele Crossover de respeito. Muitas influências batidas em um liquidificador, além da criatividade latente da banda. Os “meninos” não deixaram pedra sobre pedra (literalmente - risos), mostrando que a noite não seria para os fracos - no bom sentido.

O Anesthesia foi uma das primeiras bandas de música autoral de Texascoara (Araraquara/SP). A figura do Ricardo Schiavon é lendária. Exímio guitarrista e compositor. Fizeram um show seguro e com muita energia!

A banda seguinte foi o Executer de Amparo/SP. Destruidor! Pancadaria sem firulas. Thrash Metal old school, direto ao ponto. O show transpirava energia e prazer em tocar música autoral. Algumas vezes, penso que a banda merecia mais reconhecimento por 30 anos existência, pois despontaram como uma promessa (cumprida em termos underground), mas poderiam ter ido mais longe!

No universo do Metal, a Dorsal é a minha banda brasileira preferida. Tive a oportunidade de vê-los ao vivo algumas vezes, mas esse show foi especial, pois tive a oportunidade de entrevistar o Carlos Lopes, um artista além do seu próprio tempo.

Estávamos, em tese, na transição do período ditatorial para a democracia, “em tese”. A banda também estava em uma transição também, pois passara a compor as letras em inglês, que continuavam fortes. No entanto, como os fãs receberiam a mudança? Pelo show de Jaboticabal, muito bem!

Pauladas vinham do “Dividir e Conquistar” (1988), “Antes do Fim” (1986) e do “Searching...”, lógico! Mosh pit, stage diving e tudo mais que a energia de um espetáculo pode proporcionar. Ninguém saiu ileso da Aquarius, mental e fisicamente!

Adrenalina em baixa, chega a hora de entrevistar o Carlos. Além de solícito, educado e simpático, nada tinha a ver com o “animal”, que acabara de descer do palco. Antológico!

E mais uma vez o underground provara que além de música de ótima qualidade, ele construía (constrói) amizades para a vida toda!

Inté!

*Adalberto Belgamo é professor, atuando no museu (sem ser peça... ainda - risos), colaborador do Arte Metal, além de ser Parmerista, devorador de música boa, livros, filmes e seriados. Um verdadeiro anarquista fanfarrão.

2 comentários:

  1. Demais Adalba, ainda daria para acrescentar um livro de outras histórias só nesses 2 shows, sensacional !!! Abração meu amigo !

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  2. As letras da Dorsal me fizeram querer escrever em português. Não tenho palavras pra descrever o quão agradecido sou pelas ideias do Carlos Lopes expressas nas músicas deles, colaboraram muito pra inteligência no som pesado: letras, instrumentais muito bem construídos. Obrigado pela matéria, galera! Tudo de melhor pra vcs /,,/_

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