Por Vitor Franceschini
Foram quase 10 anos
buscando experiência na cena, se aperfeiçoando e preparando-se para o
lançamento do primeiro trabalho completo. Antes, um EP intitulado “Find the Way”
(2011) e um single como prévia “Soul Domination” (2015). Até que no ano passado
a banda Save Our Souls, de Porto Alegre/RS, soltou seu full-lenght intitulado “The
Otherside” que saiu via Shinigami Records. Mostrando versatilidade e
transitando por diversos estilos do Metal, o quarteto agora colhe os frutos do
disco. Quem fala mais sobre o trabalho é a tecladista e vocalista Melissa
Ironn, que tem ao seu lado Marlon Lago (guitarra), Andrêss Fontanella (bateria)
e Jackson Harvelle (baixo).
O
Save Our Souls existe desde 2006, mas o primeiro lançamento da banda só veio a
calhar em 2011 com o EP “Find The Way” e somente agora em 2015 o álbum “The
Otherside” foi lançado. Por que essa demora? A banda compõe desde seu
surgimento?
Melissa
Ironn: Apesar de iniciar em 2006, naquela época não
tínhamos nenhuma perspectiva do que queríamos ser no futuro. Estávamos tocando
apenas covers para nos divertir e aprender a tocar em conjunto com outras
pessoas e em estúdio. Lá pelo segundo ano de existência, em 2007, começamos a
compor e então começamos a nos descobrir. Mas somente em 2009 que nos sentimos
seguros para sair pras ruas e fazer shows, por isso, consideramos que a Save
Our Souls iniciou suas atividades de fato em 2009. Mas o EP foi gravada já em 2009
e em seguida do término das gravações, que se deu em torno de dezembro ou
janeiro de 2010 (confesso que já não lembro bem - risos), já disponibilizamos o
EP para audição no nosso MySpace e para download, mas foi em 2011 na abertura
do show do Kamelot que lançamos o material físico, então o EP existe desde
2009, quando inclusive já era possível obtê-lo em formato digital. Quanto ao
“The Otherside”, das dez composições, nove delas já existiam, muitas há alguns
anos, pois nós não paramos de compor depois do EP. Gostamos muito disso! Apenas
a faixa Dark Enigma que foi composta
após a entrada do Jackson (baixista) na banda e logo antes do início das
gravações. Mas acontece que o processo de produção de um álbum é muito mais
complexo do que imaginávamos, demanda tempo, dedicação e, além disso, é um
grande investimento. Escolhemos um estúdio distante de onde vivemos, por isso,
tínhamos algumas dificuldades de conciliar nossas agendas para poder viajar.
Todos nós mantemos outros empregos... Tudo isso contribuiu para a demora no
lançamento, foram dois anos entre gravação e mixagem/masterização. E também,
não posso deixar de destacar que demoramos algum tempo entre o EP e o início da
produção do álbum porque foi realmente uma decisão bem difícil, chegar àquele
momento em que decidimos “vamos gravar um CD”, não é algo tão simples...
E
como foi o processo de composição do debut? Vocês sentiram algum tipo de
pressão ou ansiedade por se tratar do primeiro álbum?
Melissa:
Na verdade, nós primeiros fizemos todas as composições e somente mais tarde
veio a decisão de gravar o álbum. A única composição que estava em andamento na
época, como apontei antes, foi Dark
Enigma. Mas a maior pressão mesmo foi no momento de dar vida a essas
músicas, durante o processo de gravação, principalmente porque, infelizmente,
faltaram recursos para que pudéssemos lançar antes e nós queríamos lançar logo
o álbum. Isso realmente causou bastante ansiedade, havia bastante expectativa
nossa e do público também, e parecia que não chegava nunca ao final! (risos)
A
faixa que abre o disco, Another Life,
é uma música perfeita para tal, afinal traz tudo que a banda oferece em uma
música. Vocês concordam com isso? Foi esse o motivo estratégico da escolha para
ela abrir o trabalho?
Melissa:
De faro, Another Life já foi feita
com uma introdução orquestral, pensada para abrir os trabalhos, tanto nos shows
como num futuro álbum, como depois veio a acontecer. Aliás, a ordem toda das
faixas foi escolhida por algum motivo...
Aliás,
o foco principal da banda é o Gothic Metal. O estilo não anda tão em alta e foi
explorado de diversas formas. Como buscar uma sonoridade que convença apostando
nesta faceta do Metal?
Melissa:
Não diria que é nosso foco porque os vocais femininos não foram pensados para
isso, nem mesmo os arranjos que fiz com os teclados e orquestrações. Gosto
bastante de trilha sonora de filmes e essas coisas, jamais pensei em explorar
um estilo em específico como o Gothic Metal ou Symphonic Metal. Mas há uma
necessidade das pessoas de rotular as bandas, por isso, acabaram por nos
denominar desta forma... E também preciso destacar que as pessoas começaram a
associar bandas com vocais femininos e teclados a esse estilo, mas há uma
distorção nos conceitos. Acaba que tudo recebe a mesma classificação pela simples
existências destes dois elementos, se descartando todo o restante do que a
banda tem, o que é uma pena. Nós nunca pensamos em seguir qualquer estilo
pré-determinado, nós somos quatro pessoas bem diferentes entre si e com
diversas influências. Por isso, além do que está na superfície que são os
vocais femininos e os teclados, existe um belíssimo trabalho dos meus
companheiros de banda nas cordas e bateria que agregam outros elementos que
inclusive não poderiam ser associados a alguma intenção de se enquadrar no
Gothic ou Symphonic Metal. Felizmente, boa parte do nosso público já tem se
dado conta disso, já tivemos relatos de pessoas que nos julgavam por esse
estereótipo e que ao ouvir o trabalho tiveram uma experiência bem diferente do
que se imaginava porque somos diferentes disso. Por fim, eu diria que os
pré-conceitos nos levaram a esse rótulo...
Vocês
também mesclam com elementos do Prog Metal, estilo que casa bem com a proposta
principal. Fale-nos um pouco a respeito disso.
Melissa:
Existem vários elementos nas nossas músicas, inclusive o Prog Metal. Isso é
resultado da convergência das nossas influências mais diversas. O nosso baterista, Andrêss Fontanella, bebe
muito dessa fonte nas suas influências, mas no geral nós gostamos de dinâmica e
contraponto, não gostamos muito de músicas muito retas, que começam e terminam
da mesma forma ou em que todos seguem a mesma linha. A música é feita de
momentos de acordo com a mensagem que se quer passar, acho que por essa
concepção que temos como compositores, o Prog se faz bastante presente nesse
sentido, mas não nos arranjos rebuscados cheios de técnica e “fritação” de
solos intermináveis. Mesmo porque, essa concepção que, acredito que venha do
Prog, se mistura também a outras influências mais diretas como o Heavy e Thrash
Metal, bastante presentes nos nossos riffs de guitarra quebrados e pesados,
além das vozes e teclados que já vão por um outro caminho. Basicamente, existem
várias coisas acontecendo ao mesmo tempo, mas de forma sinérgica e convergente
que formam a personalidade da banda. E isso tende a ficar mais “visível” daqui
pra frente...
Foto: Jail T Junior |
Falando
agora dos seus vocais. Você possui uma versatilidade interessante que só ganha
pontos à sonoridade. Como trabalha essas linhas?
Melissa:
Puxa, obrigada! Eu venho me desenvolvendo como vocalista no sentido de
redescobrir a minha voz, minhas capacidades, não só técnicas, mas de
interpretação mesmo, de como minha voz pode soar de acordo com necessidade
estética. Quando eu entrei em estúdio para gravar o “The Otherside” foi uma
experiência totalmente diferente e eu mesma como pessoa também estava em
processo de mudança. Por isso, foi um momento em que comecei a me redescobrir,
e tomar consciência de quem eu sou de verdade como vocalista/pessoa, mas
considero que ainda foi o início do processo, há sempre muito a aprender e
evoluir, ainda vejo um longíssimo caminho de aprendizado pela frente e eu ainda
quero desenvolver mais essa versatilidade. Mas o que rege tudo isso mesmo é a
minha convicção de que cada música é uma mensagem, por isso, existem momentos
mais suaves e outros mais agressivos durante o álbum.
Outro
fator que chama atenção na sonoridade do debut é que ela caminha entre a intensidade
e a suavidade, concorda? Isso é algo que vocês se preocuparam ou fluiu
naturalmente?
Melissa:
Fluiu naturalmente. Cada música tem um significado, por isso, não poderia falar
sobre o dia do julgamento, culpa e tudo mais de forma delicada na faixa The Judgemente Day, tão pouco poderia falar
de esperança aos berros em The Sound of
Heart, concorda? A música pede coisas pra gente, não somos nós que temos
que determinar o que não pode ser determinado por nós! Se decidimos falar sobre
determinado assunto, no mínimo, a sonoridade tem que caminhar junto, tem que
transmitir isso, não dá pra contrariar ou ficaria sem sentido!
“The
Otherside” foi gravado e mixado por Diego Voges no UFO Audio Studio. Como foi
trabalhar com Diego? O resultado final atingiu as expectativas da banda?
Melissa:
Trabalhar com o Diego com certeza foi ótimo! Encontramos uma pessoa
maravilhosa, além do produtor competente. Ele curtiu junto com a gente cada
momento, dá pra se dizer que viveu o sonho conosco. Embora o Diego tenha sim
contribuído muito para o resultado, afinal ele que botou a mão na massa e fez
tomar vida as nossas músicas, ele nos deu liberdade total de fazer soar o álbum
como nós queríamos. Por isso, tudo o que se pode ouvir no álbum é fruto das
decisões da banda, nós opinamos nas timbragens, nos volumes na mixagem, nos
efeitos, etc, etc. O resultado foi que nós escolhemos e isso é ótimo!
E
como está a repercussão do disco? Como a crítica e o público o tem recebido?
Melissa:
Olha, confesso que tem sido bem variada! (risos) Tem tido críticas muito positivas
do público e da mídia também, mas ao mesmo tempo eu sinto que ainda existe um
certo receio das pessoas em relação a banda com vocais femininos no Metal. E
disso às vezes resultam análises bem superficiais mesmo... Mas faz parte! Acho
que tanto o que é bom, como o que é em termos “ruim” serve de aprendizado! No
geral tem sido muito boa a repercussão, de alguma forma o “The Otherside” tem
atraído a atenção e curiosidade das pessoas e é pra isso que fazemos música,
para as pessoas.
O
trabalho foi lançado pela Shinigami Records, um dos maiores selos do país. Como
surgiu essa oportunidade e como está o trabalho com eles?
Melissa:
Correndo atrás mesmo! Acho que tem que desmistificar na cena é que as coisas
não acontecem porque a banda tem um trabalho legal por aí e de repente acontece
um milagre e alguém ouve e decide nos ajudar! (risos) Essa oportunidade veio da
nossa busca mesmo por um selo. Conhecíamos a Shinigami, trabalhos que foram
lançados por eles e então resolvemos tentar. Entramos em contato e fomos bem
recebidos! Recebemos um sim e ficamos muito felizes de ter o nosso trabalho
associado a um dos maiores selos do país!
Como
anda a agenda de shows da banda? Tem havido espaço para tocar?
Melissa:
Infelizmente não há tanto espaço para bandas autorais, como gostaríamos que
tivesse. Mas felizmente, ainda é possível movimentar a agenda com um ou dois
shows mensais. Acho também que o público tem se guardado para seus grandes
ídolos, por isso, muitas pequenas casas de shows e bares não estão investindo
muito em bandas independentes ou mesmo as mais “iniciantes” como nós que
estamos exibindo um primeiro trabalho autoral. Eles procuram um público mais
consolidado através de bandas covers e ainda há um certo descaso com o trabalho
das bandas em geral, tanto autorais como cover. Ainda existe o tipo de gente
que acha que oferecer o palco pra banda tocar e “divulgar o seu trabalho” é o
suficiente, e até para simplesmente cobrir os custos de transporte é uma choradeira.
É preciso jogo de cintura para que todos saiam satisfeitos.
Recentemente
vocês soltaram um documentário mostrando as gravações do disco no Youtube. Como
surgiu essa ideia e qual o objetivo de lançar algo do tipo?
Melissa:
A ideia era mostrar um pouco do que passamos e sentimos durante esse processo.
Foi algo realmente muito intenso e queríamos dividir isso com as pessoas! Era
também uma forma de mostrar quem nós somos e porque fazemos isso.
Muito
obrigado. Podem deixar uma mensagem aos leitores.
Melissa:
Gostaria, primeiramente, de agradecer pela entrevista, pelo espaço que o blog
tem dado, não só para nós, mas também para outras bandas, porque é muito
importante que ainda haja pessoas dispostas a movimentar a cena e ajudar a
divulgar os trabalhos do pessoal. Aos leitores eu digo: Ouçam o “The
Otherside”, abram suas mentes e curtam o trabalho que foi feito com muito empenho
e muito carinho, e que pode ser surpreendente se você se permitir. Ah também,
acreditem no que é nosso, tem muito trabalho de qualidade no Brasil.
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