quinta-feira, 23 de junho de 2016

Entrevista: Dysnomia



Por Vitor Franceschini

Exatos dez anos de sua fundação, a banda são-carlense Dysnomia solta seu primeiro trabalho, “Proselyte” (2016). Provando que o disco saiu no tempo certo, as qualidades em sua sonoridade são infinitas e mostra uma banda lapidada, com senso criativo bem alto e, o principal, gana em tocar Death Metal. Conversamos com os quatro componentes do grupo, João Jorge (vocal), Julio Cambi (guitarra), Denilson Sarvo (baixo) e Érik Robert (bateria), que falaram sobre o novo disco detalhadamente, além de outros aspectos que envolvem a banda.

O EP “As Chaos Descends” (2013) já mostra um Dysnomia tinindo, mas em “Proselyte” (2016) vocês deram um grande passo à frente. Falem um pouco a respeito dessa evolução da banda e como foi compor o novo trabalho?
João: Bem, “As Chaos Descends” já havia sido composto da mesma maneira como trabalhamos agora em “Proselyte”, nós fazemos “jams” muitas vezes nos ensaios, outras vezes trazemos ideias prontas e/ou escritas anteriormente. Não existe um método ou sistema a seguir, alguns sons começam pela letra, outros pelo instrumental mesmo, que é o que ocorre na maioria das vezes. Quando gravamos o “As Chaos...” nós já tínhamos material novo composto (do que viria a ser o debut), e já se podia perceber que essas músicas soavam diferentes, mais agressivas, um pouco mais rápidas, com mais variação rítmica e mesmo mais melódicas também. Nesse sentido, creio que essa evolução tenha ocorrido de forma natural, conforme cada um foi trazendo suas ideias, dando seu toque nas composições e trazendo diferentes influências, e acho que é isso o que dá a “cara” da banda, no fim das contas, o fato de todos participarem. Nós acabamos aprendendo bastante com o processo, mesmo com as dificuldades, afinal, são quatro pessoas com experiências, ideias e gostos diferentes, a despeito do interesse comum, e às vezes conflitos são inevitáveis. Porém, apesar de percalços acabamos lidando bem com isso e o resultado vocês podem conferir no álbum, ficamos bastante contentes.

Ainda falando dessa evolução, a banda se mostra ainda mais técnica, versátil e com até mais melodia nas composições. Isso foi algo que vocês focaram em fazer ou fluiu naturalmente?
Denílson: Várias pessoas que ouviram o álbum, e inclusive algumas resenhas também citam isso, mencionam essa evolução das composições, especialmente no que diz respeito à melodia. Acho que aconteceu de uma maneira natural, nós sempre trabalhamos bastante as composições nos ensaios e cada um acaba colocando um pouco das suas influências, nós temos muitos gostos em comum, mas também bastante coisa particular de cada membro, todos gostam de algum som mais melódico também e principalmente no caso das guitarras, trabalhando com frases melódicas além dos riffs. Isso foi enfatizado, somado ao fato de termos trabalhado bastante as linhas vocais também, tudo para somar com o peso da cozinha e com a bateria cheia de variações. Mas, como eu disse, isso foi fluindo de forma natural, ao longo dos ensaios.

Aliás, o fato de as músicas conterem leves doses de melodia não tirou nem um pouco a agressividade. Como equilibrar esses dois elementos?
Érik: Ainda a respeito dessa questão do equilíbrio entre melodia e agressividade, e da combinação entre esses dois elementos, apesar de nós nunca termos nos rotulado de nada, nunca tivemos a intenção de fazer um som muito direto, mesmo porque cada um tem uma influência diferente, então acaba sendo natural para nós, quando percebemos, por exemplo, que um som está ficando muito direto, ou até melódico demais, ter essa percepção e criar um contraste na composição para balancear esses aspectos.

A variação rítmica é outro fator que chama atenção em “Proselyte”. Isso também foi algo intencional ou surgiu naturalmente?
Érik: Na questão das variações rítmicas, pelo menos em termos de batera, eu sempre estudei outros ritmos além do Metal, não cheguei a me aprofundar em nenhum deles pois o Metal sempre foi o foco para mim, é o estilo que gosto e toco. No entanto, sempre gostei de usar essas ideias de outros ritmos e incorporar às músicas, gosto de trabalhar levadas diferentes, compassos compostos e coisas assim, mesmo porque isso te força a estudar e se desenvolver, além de deixar o som menos repetitivo. Mas claro que tudo isso sem perder no quesito agressividade, que está sempre à frente.
João: E a musicalidade também, né. Acho que a musicalidade é a nossa finalidade sempre.
Julio: Com relação à rítmica, em alguns trechos eu acabei pensando de uma forma não acadêmica ou tradicional, mas deixando soar propositadamente brasileiro mesmo, com algo de baião, por exemplo, que eu acho que todo mundo aqui gosta um pouco também.
Erik: Isso que o Júlio diz, muitas vezes, para o pessoal que somente escuta ou escuta mais Metal, é imperceptível, mas de repente quem estuda, toca ou tem mais afinidade com esses ritmos pode notar, pois provavelmente tem uma visão diferente, né. Quer dizer, alguns podem estranhar quando dizemos baião, por não ser reconhecível facilmente no meio do Metal, mas está lá, só não está escancarado.
Julio: Isso, é só um “tempero”, na verdade. A pegada mesmo é o som mais agressivo, mais pegado, mas com pitadas de todas essas coisas que escutamos, afinal escutamos muita coisa diferente e cada um traz algo novo, não só em termos de estudar ou conhecimento teórico de música, mas de vivência mesmo, experiências.
João: Isso mesmo, e cada um tem sua abordagem em relação ao seu instrumento também.

Sei que a banda é politizada até certo ponto. Qual a mensagem por trás das letras do novo trabalho? Enfim, o que tentam passar com os temas do disco?
João: De fato, a mensagem que tentamos passar em “Proselyte” é política, mas também é mais abrangente, especialmente hoje em dia que vemos discussões acirradas em torno não só da política, mas de outros assuntos que envolvem ideologia como religião, direitos das minorias, liberdades individuais versus interesse coletivo, e outros tópicos controversos. A ideia eu acredito que diz respeito ao fato de que atualmente haver muitas pessoas que se declaram isentas ou fora de qualquer viés ideológico ou corrente de pensamento, apolítica ou apartidária, quando esse posicionamento por si só, ou essa pessoa, já está inserida em uma ideologia. É uma questão complexa. Há um filósofo contemporâneo do qual gosto bastante, Slavoj Zizek, e ele lançou há algum tempo esse documentário que me intrigou, chamado ‘O Guia Pervertido da Ideologia’, e ele apresenta essa ideia, e independente de ser esquerda, direita, centro, estamos todos situados em algum ponto de um embate de ideologias, não há neutralidade, há no máximo uma ilusão de neutralidade, de isenção. Na verdade isso pode se constituir em um perigo, achar que você se situa fora de tudo isso enquanto na verdade participa ativamente propagando ideias e valores independente de sua vontade ou ciência. Pelo menos esse é o viés da faixa-título, Proselyte, mas abordamos outros assuntos também. Tem outras letras que também são meio filosóficas, mas não necessariamente políticas, algumas são mais introspectivas. Todas de alguma forma tem a ver com nossa realidade, não são fantasiosas, pelo contrário. Temas recorrentes da nossa existência, como sentimentos contraditórios, medo da morte, suicídio, assuntos controversos e difíceis de abordar, mas que a música permite “dar vazão” de uma maneira mais fluida. Eu escrevo algumas letras e outras são feitas em parceria com os caras, mas nesse sentido a maior contribuição seja com a língua inglesa, que ensino há bastante tempo, e fico encarregado, então, de passar tudo isso para o papel. E acho que a ideia é essa, de abordar todos esses assuntos de uma maneira reflexiva, trazendo questionamentos, mas sem soar necessariamente panfletário.



A produção é outro ponto forte do debut. Vocês trabalharam com Gabriel do Vale no Nova Estúdio. Como chegaram até ele e como foi trabalhar com Gabriel?
Denilson: Bom, com as músicas prontas, decidimos procurar onde gravar e acabamos sabendo do Gabriel por meio de amigos em comum, também músicos, que recomendaram seu trabalho. Entramos em contato com ele e agendamos uma visita. Fomos muito bem recebidos desde o primeiro momento, e pudemos logo notar seu cuidado e profissionalismo, além da estrutura do estúdio, o que pesou bastante para que nos decidíssemos a gravar com ele. Também teve a questão da facilidade de trabalhar com ele, então tudo acabou somando.
Érik: Pela questão da gravação e da produção, que começou justamente com as baterias, posso dizer eu foi uma procura criteriosa, pois o nosso EP de 2013 já havia ficado com uma boa qualidade, ou seja, teríamos que fazer, e queríamos também, algo ainda melhor. Quando conversamos com o Gabriel vimos que tínhamos ideias parecidas em relação a isso, logo o processo de gravação foi bem tranquilo, ele entendeu o que queríamos passar através do som e com certeza encontramos a qualidade que esperávamos, quem ouviu ou adquiriu o álbum pode observar, e a imprensa, blogs e zines têm salientado isso também.

A arte da capa ficou a cargo de Gustavo Sazes (Arch Enemy, Dew-Scented). Como foi ter a capa feita por ele e como foi o processo? Vocês escolheram uma arte pronta ou o ajudaram a desenvolver a arte?
Érik: Nós optamos pelo Gustavo porque tínhamos visto alguns trabalhos que ele havia feito para bandas nacionais, como o Andralls, de quem tenho um CD com capa assinada por ele, e acabamos pesquisando mais, nos deparamos com outras artes dele, gostamos do que vimos e achamos que tinha a ver com as nossas ideias para a arte. Mas o processo de criação da capa deixamos basicamente a cargo dele. Enviamos algumas referências, arquivos de áudio e também algumas letras da banda para que ele pudesse se basear e ter um norte, mas a partir daí foi com ele mesmo, até para não limitar seu processo criativo.

E como está até então a repercussão de “Proselyte” até então?
João: A repercussão tem sido muito boa, principalmente levando em consideração que é nosso álbum de estréia, acho que tanto por parte de público quanto de crítica, temos obtido boas resenhas, em veículos e sites da mídia especializada que tem grande acesso, como a Roadie Crew, o Whiplash e o próprio Arte Metal, e estamos muito lisonjeados com as críticas positivas que temos recebido, claro que sempre existem críticas negativas e também devemos recebê-las com tranquilidade e trabalhar sempre para melhorar, mas no geral tem sido bastante positivas e estamos sim bastante lisonjeados e gratos pela boa aceitação. E claro, vemos isso nos shows também.
Èrik: Sim, nos shows também muitas pessoas tem elogiado os sons novos após as apresentações, inclusive muitas delas que presenciaram shows e eventos na época do EP, que tem se surpreendido com as novas composições, afinal houve uma certa evolução, com algumas mudanças, como já dissemos ao responder as perguntas anteriores. Então, claro que estamos muito contentes com isso, porque vemos que com todas as dificuldades das bandas independentes em lançar um trabalho, principalmente em um caso como o nosso, em que nos empenhamos ao máximo para caprichar em tudo, desde as músicas até a arte e a apresentação do CD, tantos elogios e apoio nos fazem querer seguir fazendo tudo de novo, e cada vez mais melhorar a qualidade dos trabalhos da banda.

Já presenciei diversas apresentações da banda e, mesmo tendo muita qualidade com os trabalhos lançados, o Dysnomia se mostra uma banda que ama os palcos, sempre se sentido em casa. Como está o espaço para tocarem e a agenda da banda?
Denilson: Essa relação da banda com os palcos sempre foi um dos objetivos do Dysnomia. Ser uma boa banda e mostrar no palco através de um show marcante. Sempre comentamos sobre isso e quando acompanhamos as bandas que nos inspiram no cenário nacional isso é uma coisa que salta aos olhos: a qualidade e a energia delas ao vivo, bandas boas com bons shows. Portanto, é algo que sempre buscamos para nós também, no sentido de ser natural e enérgico ao vivo, sempre evoluindo em relação à música mas também lembrando dessa parte, do feeling, da postura no palco e tudo mais. Em relação à agenda, nós ficamos parados por quase um ano por conta dos compromissos relativos à gravação, simplesmente não tínhamos tempo para os shows. Depois disso, retomamos as apresentações, inclusive com um show de lançamento em nossa cidade, São Carlos, e mais algumas datas na região. No momento estamos marcando mais algumas datas e prosseguindo com a divulgação do álbum.
João: É como o Denílson falou, nosso foco sempre foi tocar ao vivo, nada justifica mais todo esse trabalho do que o tesão de subir no palco e trocar energia com o público, e por sorte a recepção tem sido ótima, nos shows e resenhas, também devemos isso ao apoio do Rodrigo e da Débora da Metal Media, que estão sempre abrindo mais e mais portas para a banda e ampliando nossos canais de comunicação, e nos propiciando mais oportunidades, então estamos focando em fechar mais datas, fazer inscrições para os  festivais e tentando divulgar mais.
Érik: Sim, temos alguns shows para serem fechados agora até o meio do ano, e já estamos pensando no segundo semestre também. Acho que acabamos ficando bastante tempo parados durante a gravação até porque foi nosso primeiro álbum, mas a ideia daqui pra frente é tentar tocar tudo ao mesmo tempo: composições, shows, gravação, para que possamos sempre manter a continuidade do trabalho, a ideia agora é essa.

Mudando um pouco o contexto da entrevista, mais por curiosidade (risos). Há uma banda na Espanha também chamada Dysnomia, que faz Melodic Death Metal. Vocês sabiam disso? Tiveram algum problema a respeito?
João: Isso foi um caso curioso, até engraçado, esse nosso homônimo. Um belo dia recebi uma mensagem, via Facebook, do nosso grande amigo Christiano Koda (X, baterista d’Os Capial, Prey of Chaos), alertando sobre essa banda espanhola, que recentemente havia mudado de nome. Acessei a publicação deles cujo link o Koda havia mandado para mim e vi que realmente tinha essa nota divulgando a mudança, e o novo nome escolhido era justamente Dysnomia. Isso não acontece só com a gente, na verdade já havia ouvido falar de outros casos, como o Mayhem, da Noruega, que tem uma banda mais antiga se não me engano com o mesmo nome, e nossos amigos aqui de São Carlos da X-Raptor se também não estou equivocado tiveram que acrescentar o “X” ao nome da banda por conta de algo parecido. Achei estranho e até fiquei um pouco chateado a princípio, um pouco bravo talvez (risos), mandei uma mensagem para o baterista deles, se me lembro bem, perguntando se eles realmente não sabiam que já havia uma banda com o mesmo nome. Ele foi bastante educado, na boa, escreveu de volta pedindo desculpas e que não havia pesquisado, ou que havia e achou que não teria problema, e, no fim das contas, aceitei, claro, a gente também não tá nessa por grana somente, e, a não ser que haja algum impedimento legal aí, acho que não tem problema, desejei sucesso para eles também. Inclusive eles lançaram o debut deles antes da gente apesar de sermos mais antigos (risos) a banda é boa, outra proposta, é diferente do que fazemos, mais melódica, o que é até melhor, para não confundir.

Muito obrigado, podem deixar uma mensagem aos leitores.
João: Nós gostaríamos primeiramente de agradecer a todo mundo que apoia a banda, que comparece aos shows, que adquire nosso material e tem nos ajudado ao longo dos anos a permanecer na ativa, aos headbangers e bandas de São Carlos e região, Araraquara, Ribeirão Preto, Porto Ferreira, Ibaté e todo o interior pela parceria sempre, a você também, Vitor, pela oportunidade de concedermos essa entrevista ao Arte Metal, e parabéns, continue sempre com a iniciativa, pois é um trampo de responsa, que acompanhamos faz tempo. Gostaríamos de agradecer também aos parceiros da Metal Media, que acreditam e estão juntos conosco desde a época do lançamento do EP e agora nos ajudam a divulgar o “Proselyte”, e é isso aí, gostaríamos de deixar registrado nossa gratidão, tamo junto!
Denilson: E para quem quiser adquirir material da banda, conhecer o som, tirar dúvidas ou entrar em contato para shows e apresentações basta acessar nossa fanpage no Facebook, email ou pela nossa página no site da Metal Media, fiquem a vontade para nos contatar!


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