Por Vitor Franceschini
Demorou, mas o debut dos
cariocas do Gutted Soul saiu após 13 anos de formação da banda. Intitulado “The
Illusion of Freedom” (2017), o disco já conquistou bastante território com seu
Death Metal diversificado, mas nem tudo está ganho, segundo o próprio vocalista
Iron. Nesta entrevista, conversamos com ele, que muito lúcido falou sobre a
banda em si, além do trabalho que já pode ser chamado de ‘mais recente’ e o que
ainda está por vir. Completam o time Wellington Ferrari e Alexandre Carreiro (guitarras),
Elias Oliveira (baixo) e Braulio Drumond (bateria).
Ok.
A banda com a atual alcunha foi formada em 2004, tendo vários nomes antes entre
2001 e 2003. Mesmo assim, até chegarem ao primeiro registro, o EP “Unconscious
Automaton” (2012), foram oito anos. Por que esse tempo todo para gravar?
Iron:
Bom, é o usual. Mudanças de formação, falta de grana, falta de orientação,
falta de interesse dos músicos. Por isso que só sobrou eu como membro fundador.
Eu era o único quem sempre quis muito. Os outros queriam condicionalmente: se
tivesse uma “fama underground” envolvida ou coisas assim. Quando viam que
depois da euforia inicial era só trabalho, as pessoas iam saindo. Entre o
período de 2004 a 2012 a banda nunca parou completamente. Chegamos a ter dois
discos inteiros compostos em momentos diferentes (2005 e 2009) que nunca foram
lançados, e as músicas se perderam. Foi um período importante pra
amadurecimento de ideias líricas, e de como a banda deveria soar. No fim das
contas, esse período de incubação foi positivo.
Sendo
que o EP deixou uma boa impressão e o primeiro disco completo foi feito treze
anos depois, o processo de composição de “The Illusion of Freedom” (2017)
trouxe alguma pressão para a banda?
Iron: Quando
lançamos o EP, ele já foi um triunfo, pois parte da banda já estava
desmotivada. Tanto que após o lançamento do mesmo, a formação mudou mais
algumas vezes. E isso trouxe muita pressão interna, pois queríamos que álbum
soasse fantástico. Essa pressão quase desfez a banda. No fim das contas o “The
Illusion of Freedom” foi gravado por mim, Wellington Ferrari, que já está na
banda desde 2007, e Rodrigo Oliveira, baterista do Korzus e Armored Dawn. O
Rodrigo também atuou como produtor no disco, e teve uma influência muito positiva
no resultado final.
Aliás,
as composições foram feitas exclusivamente para ele ou há algo mais antigo no
material que vocês aproveitaram?
Iron:
O “The Illusion of Freedom” é um debut e o encerramento de um ciclo. Dancing to the Sound, a última faixa,
foi composta em 2008, e as mais jovens Snakes
in Suits e Unconscious Automaton
(Curse of Wetiko) foram compostas entre 2015 e 2016. Ele é metade inédito e
metade regravação e rearranjo de faixas do EP. Queríamos dar este bom
tratamento ao EP antes de seguirmos para novos horizontes.
A
principal característica de “The Illusion of Freedom” é a capacidade de soarem
técnicos, porém sem deixar a música de lado. Digo isso, porque várias bandas do
Death Metal atual soam mais como aula de instrumentos e competição de
velocidade, do que musicalmente em si. Como você explica essa fórmula e
capacidade do Gutted Souls em não cair nisso e fazer música extrema de
qualidade?
Iron:
Fico
muito feliz com essa observação. Eu gosto de todas as vertentes dentro do Death
Metal, e gosto de muito mais além de Death Metal e Metal. Todos da banda são
assim, somos muito diversos em gostos musicais. Dentro do Death Metal, o que
foi feito no final dos anos 80 até meados dos anos 90 sempre me chamou muito a
atenção, pela atenção em fazer blocos que sejam memoráveis, refrãos ‘garranchudos’,
arranjos marcantes de bateria. Nós meramente emulamos os mestres.
Vocês
se preocuparam em não deixar a técnica se sobrepor ao “feeling”, por exemplo?
Iron:
Essa é uma preocupação constante. Por vezes é necessário frear os músicos, ou
você começa a entrar numa linguagem musical que fala apenas para outros
músicos. Nada contra, mas este não é o objetivo da banda.
Outro
ponto importante do Death Metal apresentado no disco, é que vocês caminham
praticamente por todas as facetas do estilo. O que pode falar a respeito?
Iron:
Novamente,
agradecemos a observação. É proposital. Na época do EP, uma revista gringa nos
definiu como “Dying Fetus, Lamb of God e Jungle Rot num sanduíche de Death
Metal”. E acho que isso define bem. Não necessariamente pelas bandas com quem
fomos comparados, mas por essa liberdade em passear por dentro das vertentes do
estilo. Existem bandas que executam com maestria uma vertente. Nosso objetivo é
ser uma banda que passeia por todas as vertentes e no fim do dia ser
simplesmente metal extremo. Se você reparar, ainda que de maneira sutil, na
faixa Snakes in Suits há alguma
influência de Black Metal inclusive.
A
objetividade é outra característica forte apresentada no disco. Apesar da
técnica e variação rítmica, a banda explora isso sem cansar o ouvinte. O quão
importante vocês veem esse quesito?
Iron:
Parte do objetivo era fazer um álbum que nós mesmos gostaríamos de ouvir. Somos
todos muito chatos, então acabamos acertando “sem querer” em fazer músicas que
não fossem muito maçantes! No próximo disco tentaremos outras fórmulas
rítmicas, pois a ideia é ficar em constante movimento.
Gostaria
que você falasse um pouco da temática das letras, afinal, este é outro
diferencial da banda.
Iron:
A banda trata de um tema já explorado por um ângulo pouco explorado. A banda
versa sobre a dominação oligárquica e patocrática das elites psicopáticas e
seus efeitos sobre a população e sobre o planeta. Mas não olhamos isso apenas
do ponto de vista psicossocial, olhamos também do ponto de vista
místico/oculto/alquímico. Diferente de outras bandas, as inclinações pra
escrever sobre a parte mística são um pouco mais sutis, então o interessado tem
de decifrar as alegorias que existem nas letras. Fizemos isso de propósito,
para convidar o ouvinte a embarcar conosco nessa jornada. Estruturalmente, a
ideia é que a “camada exterior” por assim dizer, fosse fácil de cantar junto.
Com refrãos e outros mecanismos para ajudar.
Todas as letras no disco, e a temática da capa foram escolhidas mim. No
próximo disco, Elias Oliveira, nosso novo baixista, também deve contribuir na
parte lírica.
O
trabalho foi lançado no exterior. Aliás, houve boa repercussão fora do Brasil.
Como se deu essa oportunidade e como vocês receberam isso?
Iron:
Foi
da maneira mais despretensiosa possível. Já havia uma outra gravadora russa
interessada desde antes do lançamento, mas por inúmeras razões, o lançamento
por ela não se concretizou. Era uma situação desfavorável: o álbum tinha
acabado de ser lançado digitalmente pela Dharma Records (gravadora do Rodrigo
Oliveira) e não havia gravadora certa pra lançar o material físico. Comecei a
bater de porta em porta mostrando o material. Um dia, enviei
despretensiosamente o material para o Andrii Molchan (dono da Envenomed Music,
da Ucrânia), que ouviu na hora e disse “quero lançar. Agora!”. Eventualmente a
gravadora Narcoleptica Records se juntou e eles fizeram um lançamento conjunto.
O interesse dos headbangers no disco foi um pouco tímido no início, mas tem
crescido a cada dia. E agora, teremos uma versão em digipak lançada por uma
gravadora colombiana, que vai conter uma regravação de uma das faixas da demo
de 2002-2003, de quando a banda se chamava Necropedophile.
Aliás,
como foi a repercussão do disco aqui em terras brasileiras, tanto por parte da
mídia, quanto por parte de público?
Iron: O
disco foi bem recebido, novamente, é uma chama que demorou pra pegar, por assim
dizer, mas tem melhorado literalmente a cada dia. Um ponto que é ligeiramente
decepcionante para nós, é que o álbum tem tipo uma receptividade muito maior no
exterior desde o início. Os apoiadores do exterior fazem upload do álbum no YouTube,
fazem resenhas espontaneamente e compartilham o material ativamente. Aqui no
Brasil, essas ações são por conta de uns poucos fãs e apoiadores “die hard”.
Tem gente que segue a banda desde 2003 literalmente. Usualmente as pessoas
começam a apoiar a banda e não param mais, o que é muito satisfatório. Então
seguimos assim, um fã por vez aqui no Brasil.
Em
agosto completa-se um ano do lançamento de “The Illusion of Freedom”. Como
vocês o veem atualmente?
Iron: Após
um ano, graças ao “The Illusion of Freedom”, abrimos para o lendário Obituary,
fizemos shows excelentes com bandas underground, vendemos muitos discos e
camisas, lançamos dois lyric videos com excelente repercussão e aceitação dos
fãs e da mídia especializada, e por fim tivemos o disco lançado por duas
gravadoras gringas e teremos uma versão digipak por outra gravadora gringa.
Acho que está de bom tamanho!
E
pelo fato de há um ano ter lançado o debut, vocês já devem estar trabalhando em
material novo. O que podem nos adiantar sobre isso?
Iron:
Sim, já iniciamos as composições para o próximo disco, que será o primeiro a
mostrar a nova formação da banda, provavelmente é a melhor formação que o
Gutted Souls já teve, tanto musicalmente quanto em comprometimento. O primeiro disco passeou de maneira leve
pelos temas de dominação oligárquica e o tormento existencial de viver em um
sistema falido e os subtemas que acompanham esses grandes temas. É nosso
entendimento que os problemas enfrentados pelas sociedades desde sempre habitam
em três esferas diferentes e interconectadas: o homem, o social, e o
espiritual/místico. Os três próximos discos falarão de cada um destes temas. O
primeiro desta trilogia será sobre o homem. Serão nove faixas narrando o
desespero, a conformidade e a possível ascensão do mesmo.
Por
fim, o que planejam para este segundo semestre de 2018?
Iron:
Para
o segundo semestre planejamos um show em Osasco acompanhando o Grave Desecrator,
7Peles e mais outras bandas locais, algumas poucas aparições em shows e o
Extreme Hate, tocando ao lado de Unleashed, Master, Abysmal Dawn e a máquina de
guerra Nervochaos. Também planejamos converter mais algumas faixas do disco em
formato de clipe ou lyric video dependendo da faixa. E ainda esse ano, teremos
a versão Digipak do “The Illusion of Freedom”. Por fim, mas não menos
importante, agradecemos a Roadie Metal por toda a ajuda com a divulgação do
álbum, ao Arte Metal pelo apoio de longa data, e a nossos apoiadores e fãs pelo
suporte insano que eles nos têm dado. Em breve tem álbum novo na praça e, se
tudo der certo, uma tour pelo país em 2019.
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