Por Vitor Franceschini
A ‘one-man-band’ Deep
Memories, que tem o multi-instrumentista Douglas Martins (ex-Desdominus) por
trás, teve uma rápida ascensão com seu debut, “Rebuilding the Future” (2018).
Porém estes méritos vêm exatamente pela qualidade de suas músicas, já que não
estamos falando de uma sonoridade convencional ou de fácil digestão, além de
algo bem íntimo. Fato é que o Deep Memories e, obviamente, Douglas, acertaram
na fórmula e sabendo do resultado, o músico investiu bastante na promoção do
disco, que saiu também em vinil e conquistou espaço no exterior. Sobre estes e
outros assuntos, batemos um papo com o mentor disso tudo, confira a seguir.
Douglas,
obviamente que quando a gente realiza um trabalho a gente espera o melhor dele.
No entanto, “Rebuilding the Future” (2018), o primeiro ‘full’ do Deep Memories
balançou o underground, inclusive com repercussão mundial. Você esperava isso?
Douglas
Martins: Quando concluí o álbum vi que os sons ficaram bons e
poderiam agradar uma galera. As pessoas que eu mostrava, me davam um bom
feedback e me incentivaram a buscar um selo. Porém, jamais imaginaria que
chegasse ao nível que chegou e em tão pouco tempo. Uma ‘one-man-band’, no
primeiro álbum sem nada lançado anteriormente, conseguir ter a atenção de
selos, headbangers e da mídia especializada me surpreendeu muito. O fluxo de
venda de materiais (CDs, camisetas) foi surreal. Agradeço muito a todos que
acreditaram no Deep Memories!
Claro
que o disco renova o formato de se mesclar Doom/Death/Black Metal. Mas a que
realmente você acredita que se deve esse fato, esse sucesso e resposta até que
rápida ao disco?
Douglas:
Acredito
em uma soma de fatores: a sonoridade; o clima gerado pela progressão das
músicas e o quanto este clima consegue envolver o ouvinte. Essa mescla que
caracteriza o estilo do Deep Memories acaba transformando a audição em uma
experiência diferente, pois cada pessoa se identifica com um trecho, uma
levada, uma ambientação que à conecta a um momento reflexivo e/ou emocionante
de sua jornada. Não faço ideia como isso se fundiu, mas foi nisso que o
“Rebuilding the Future” se transformou, um passaporte onde a agressividade e
melodia fazem brotar sentimentos e experiências marcantes e, quando se juntam
ao o peso geram o diferencial.
Tanto
que “Rebuilding the Future” ganhou lançamentos em outros países com outros
selos, tais quais como Rússia e Japão. Como surgiram essas parcerias e como foi
desenvolvido este trabalho de lança-lo por estes selos?
Douglas: O
primeiro contato foi com a Heavy Metal Rock que é aqui de Americana/SP. Na
época eu entreguei o álbum para o Wilton Christiano ouvir e estava sem todos os
vocais pois pretendia que o Deep Memories fosse instrumental. Então ele me
sugeriu de adicionar os vocais e acabei topando. Quando concluí e mostrei para
ele, propôs para lançarmos. Na sequência fiz o contato com a Misanthropic
Records de Brasília/DF do Marco Amaral e então em acordo com a Heavy Metal Rock
prensaram os CDs aqui no Brasil. Foi então que comecei a pesquisar os selos
pelo mundo. Fiz uma lista com mais de 100 contatos, de todos os continentes e
disparei os e-mails. Para minha surpresa a Invasion of Solitude Records, de
Tóquio propôs lançar no Japão – eles haviam acabado de lançar o Myrkgand do
grande brother Dmitry Luna e na sequencia recebi a proposta da GS Productions
de Moscou para lançar na Rússia e assim seguimos. Vale destacar que tive
respostas de apenas uns 2% de todos e-mails que enviei.
Capa exclusiva do vinil |
Mas,
o mais bacana é que o disco ganhou uma versão no formato em vinil 12”. O
trabalho foi lançado pela Neves Records. Como surgiu essa oportunidade e qual a
sensação de ter um trabalho lançado em vinil?
Douglas:
A
sensação semelhante de quando ganhei minha primeira bicicleta! Quando peguei o
disco de vinil na mão, com a capa sensacional como ficou, cara, meu coração
parou! Inesquecível este dia... O Wilton da Heavy Metal Rock que intermediou
esta negociação. Eu sinalizei para ele que muita gente estava pedindo o álbum
em vinil e ele apresentou o material do Deep Memories para o Alexandre Neves.
Na sequência encontrei o Alexandre em um show, ele me passou seu contato e
disse que havia ouvido e se interessado pelo som. Fui até a casa dele, conheci
seu acervo incrível de vinis raríssimos e acabamos fechando para o relançamento
do álbum em vinil, com uma capa exclusiva e vinil em duas cores preto e azul.
Agora,
voltemos um pouco no início. Com que intuito e desde quando você começou com o
projeto? Por que optou por trabalhar sozinho?
Douglas: Sempre
tive esse sonho, de fazer um álbum sozinho.
No final de 2015 meu filho que é autodidata no violão/guitarra veio me
mostrar uma composição dele e achei muito boa! Na hora liguei minha guitarra e
complementei a música e isto reacendeu a chama e percebi que aquele era o
momento de iniciar este projeto. Esta música se transformou na Suffocating Grayish Darkness que eu
particularmente gosto muito, inclusive lancei um vídeo deste som. Ter optado em
trabalhar sozinho, naquele momento é o que fazia sentido para mim, era uma
questão muito pessoal de realmente me reconectar ao que mais amo fazer que é
tocar e produzir, não fazia sentido ter outras pessoas envolvidas e tenho
certeza que foi a decisão mais acertada.
Aliás,
como foi compor o trabalho sozinho e a busca pela sonoridade característica do
Deep Memories? Foi algo natural ou você tinha alguma coisa em mente?
Douglas: Foi
uma jornada muito intensa cara, principalmente a reta final, onde tudo começou
a tomar um formato. Foram horas de pesquisa pois gravei, mixei e masterizei o
álbum sozinho. Comecei tudo do zero. Obviamente já tinha uma experiência
anterior com as gravações e produções do Desdominus, mas um álbum inteiro
transcendia tudo o que tinha de noção e muito tempo tinha se passado desde
minha última experiência em estúdio (que foi a gravação do álbum “Without
Domain”, do Desdominus, em 2003). Eu não tinha a mínima ideia no que se
transformaria os sons do Deep Memories, não foi algo planejado, que deveria
soar de determinada maneira - a parte de estrutura musical, composições,
camadas e sonorização surgiu absolutamente tudo naturalmente, nada forçado.
Para timbragem do álbum usei referencias de equalização de bandas que gosto
muito como At The Gates, Within Temptation e Dimmu Borgir de suas gravações dos
anos 90 e também referencias mais atuais como o Secret Garden do Angra e o
Atoma do Dark Tranquillity, gravações mais atuais que eu estava ouvindo sem
parar.
No
entanto, apesar de muitos rotularem a sonoridade do álbum como Doom/Death
Metal, imagino algo mais abrangente. Inclusive há até elementos de Black, Dark
e Atmospheric Metal. Você concorda que “Rebuilding the Future” vai além de sua
proposta inicial?
Douglas:
Concordo
sim. Tive que enquadrar a sonoridade nestes estilos para que as pessoas
pudessem ter uma noção ou referência - o Doom/Death foi o que mais estaria
próximo, talvez Doom/Black ou Doom/Death/Black aí já viraria uma salada. Mas
tem muito de Dark, Gothic e Atmospheric, até partes Prog e Heavy metal.
Realmente muito difícil trazer o que se transformou a sonoridade do Deep
Memories para um único estilo.
O
trabalho, como dissemos anteriormente, atingiu um grande status dentro do
cenário Death/Doom Metal, algo que o sobrecarregará em um futuro lançamento
para superar toda essa qualidade. Tem trabalhado pra isso? O que pode nos
adiantar sobre algo novo do Deep Memories?
Douglas:
Quando
comecei a produzir o segundo álbum em outubro de 2019, houveram momentos que o
fantasma de “superar o disco anterior” atormentou minha mente com perguntas do
tipo: “Será que o pessoal vai curtir este riff? Esta parte não tem muito a ver
com o disco anterior... Este trecho ficou muito lento...” Precisei cair em si e
perceber que estava nesta auto obsessão. Quando entendi que este fantasma
estava me limitando já no segundo bimestre de 2020 busquei entender o que tinha
transformado o primeiro disco em bom disco e descobri que era: Não saber como
ficaria no final e não limitar nenhuma ideia durante a criação. A partir daí
tudo começou a fluir de uma maneira natural, prazerosa e bem rápida. O novo
álbum do Deep Memories será mais intenso em todos os sentidos, as partes
melancólicas estão mais melancólicas, as partes rápidas estão mais marcantes,
tudo estará mais pesado. A linha melódica do álbum se assemelha a do anterior,
mesmo porque é o que eu gosto e o que sai quando estou tocando, mas tudo estará
mais extremo, não no sentido brutal da palavra e sim de intensidade.
E
uma curiosidade. Você pretende montar uma banda para ao menos levar o som do
Deep Memories aos palcos?
Douglas: No
início era incogitável e o hoje já é algo relativamente real. Esta pandemia
segurou um pouco os planos, mas para o segundo álbum que será lançado em 2021
isto acontecerá. Estamos planejando tudo.
Por
fim, tenho feito essa pergunta nas últimas entrevistas que fiz para o blog.
Vivemos um momento difícil devido à pandemia do covid-19 e o cenário
underground, que já não é fácil, foi atingido consideravelmente e muita coisa
pode mudar. Como você vê tudo isso, incluindo na divulgação de seu trabalho e o
que acredita que pode mais ser afetado no futuro?
Douglas: O
relançamento em vinil do “Rebuilding the Future” na primeira quinzena de março
foi um pouco antes de tudo explodir e sentimos muito como esta pandemia afetou
o underground. No Metal brasileiro 90% das bandas underground tem um trabalho
formal e o impacto está sendo muito significativo, pois vários deixaram de
trabalhar ou foram demitidos, os shows que geravam renda para custear os gastos
existentes em qualquer banda desapareceram e todo este movimento de eventos
está paralisado, fico imaginando para as bandas que acabavam vivendo da renda
dos shows, merchandising e até aulas de música. Estes caras estão lascados. O
público Metal é muito fiel, consome material, CDs, camisetas, revistas, zines,
mas sem renda não tem como comprar nada e a situação econômica e política deste
país realmente é deprimente. Percebo que podemos colher os impactos deste
momento durante vários meses e até anos. Quantos locais de show se fecharam,
quantos selos encerraram suas atividades, lojas especializadas, não há como
seguir colocando em risco nossas vidas. Cara, espero que tudo melhore logo.
Para fechar, gostaria de agradecer você Vitor, que apoia o Deep Memories desde
os primeiros suspiros. Grande abraço!
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