terça-feira, 15 de setembro de 2020

In Lo(u)co: E o CD?


  

Por Adalberto Belgamo

 

Com o “não” lançamento de material físico de várias bandas internacionais no Brasil, veio à tona - mais uma vez - a celeuma em torno da morte do CD. O formato morreu no país? Sim e não. Por que o mercado optou por suprimir o formato? A resposta está em um dos substantivos da pergunta.

Inicialmente, vamos discutir o papel do mercado. Todos sabem que as grandes gravadoras (corporações) são orientadas para o lucro. A máxima da lei da “oferta e procura” retrata bem o momento atual. Apesar de termos consumidores (a moda hoje é chamar de colecionadores), a demanda não chega a 10% dos áureos tempos do CD. Tirando nichos musicais, a grande parte da população não tem a música como paixão, mas como pano de fundo para outras atividades. O pensamento coletivo está descartável em todos os sentidos. Talvez, a evolução tecnológica, a correria do dia a dia e a crise econômica mundial sejam fatores preponderantes para o baixo consumo de material físico.

Ao falarmos da evolução tecnológica, devemos fazer uma breve análise da também evolução sobre as diferentes formas de ouvir música através da história. O vinil surge para o registro de singles (ou pequenos registros para outros estilos). Posteriormente, começaram compilar singles para, enfim, surgir o formato de álbum, que conhecemos atualmente (apesar da era do “one hit wonder” ter renascido com o streaming e o formato digital em geral). Vieram a fita cassete, o CD e, por fim, a MP3 e o streaming na sequência. De todos os descendentes, o streaming é o único que realmente está diminuindo o consumo do formato físico, mas aí é outra história (risos).

O consumo depende do poder aquisitivo. Como exemplo, usaremos o novo CD do Metallica e o poder de compra nos EUA. O salário mínimo na terra do lunático Trumpeta é de aproximadamente 1300 dólares. Quem quiser adquirir o “” paga 11 doletas na Amazon; ou seja, menos de 1% da renda mínima. E na terra do inominável? Salário miséria em torno de 1050 dinheiros e, segundo a gravadora, o lançamento nacional (“çei”... risos) está próximo dos R$ 180. Quase 20%! Em tempos de crise com alimentos caros (o agro é pop - ironia), a não ser que o consumidor não colabore para as despesas da família e faça o que quiser com a renda (sem os descontos, lógico), é praticamente impossível a aquisição de bens culturais, mesmo - no caso de CDs - aqueles com preço “mais em conta”, cerca de 40 florestas devastadas.

Apreciar música em casa é algo particular e sublime. Depende muito da dinâmica da vida e do de tempo livre. Se o indivíduo vive sozinho - ou mesmo em um ambiente povoado, mas tem o próprio canto - o “ritual” para ouvir aquele álbum ‘delicinha’ continua prazeroso. No entanto, se a pessoa tem responsabilidades com filhos e o dia a dia de uma vida conjugal, o tempo é escasso e influencia principalmente em atividades individuais. Então, vem à mente a pergunta: “Vou gastar uma grana com um álbum, se nem tempo terei para ouvi-lo?”. Faz sentido, principalmente se pensarmos em despesas mais emergenciais e necessárias. Só falta alguém deixar de prover alimentação para crianças para comprar CD’s (ou quaisquer “itens”...). É caso de besuntar a pessoa e rolá-la no asfalto quente (risos).

Enfim há outras prioridades, que fazem o consumo da mídia física diminuir. Há pesquisas que apontam a estagnação em pessoas com mais de 30 anos. A faixa etária “ideal” vai da adolescência a, no máximo, os quarenta. E aqueles com mais de 40? “Tamu juntu e misturadu! (risos).

A pessoa deixa de ouvir música? Não, mas de outra maneira. Alguns optam pelo digital. Prático e praticamente sem custos. O problema é que na maioria das vezes - em especial em relação ao streaming (com algumas exceções) - a arte se transforma em um pano de fundo. Navega-se pelas redes sociais com uma trilha sonora. No final, não ouviu nem a música e muito menos entendeu os posts de 140 caracteres e os vídeos de 5 minutos (risos).

Quem, então, são os consumidores? Fãs de bandas específicas e colecionadores. A impressão que se tem, falando em termos de Brasil, é que voltamos aos anos 80, pois na Europa e EUA a mídia física é oferecida normalmente, em menor número, mas ainda presente.

O preço do vinil era exorbitante (parecido com o atual). Compravam-se as bandas preferidas e copiava nas amadas fitinhas cassetes as que eram ótimas também, mas nem em sonho tinham discografias lançadas no país.

Especificamente sobre o Metal e música underground em geral, surgiram algumas gravadoras que além de lançar bandas e artistas nacionais, colocavam no mercado bandas internacionais. Muitos criticavam a qualidade do vinil, mas só em ter o acesso ao material quase inatingível e deixar as fitinhas de lado (cópias de fita pra fita... “Meo Deos”) era uma benção (de Deus ou do Capiroto - risos)!

Alguns apontam o surgimento da MP3 e a possibilidade de queimar CDs em casa como os grandes vilões da derrocada do mercado. Por incrível que pareça, aumentou a procura por material original, em especial de bandas independentes. A MP3, na realidade, foi um soco na cara da grande indústria, pois democratizou o acesso e de certa forma acabou com aquele pensamento tacanho, brega e egoísta: “Ain, só eu posso ouvir aquela banda de psychodeathindiecurrupiranosapatinho das Ilhas Malvinas, entes da guerra, lógico!” (risos) Contra burguês, baixe MP3!

“Mas prejudica a banda, ain!”. O que prejudica é ficar em frente e computador reclamando, sem fazer apresentações ao vivo e levar o merchandising. Menos agora por causa da pandemia, mas em shows de bandas independentes “o material das banquinhas” acaba antes da apresentação, se a banda corresponder ao vivo. Não tem CD ou vinil? Camiseta, adesivo, caneca, meia e cueca (risos) são opções.

Um exemplo de algo, que jamais ocorrerá novamente, é o contrato que as gravadoras faziam com artistas. O R.E.M., por exemplo, quando estava na Warner, renovou um contrato de 80 milhões de dólares por um número “x” de álbuns. Atualmente, as grandes gravadoras são “gerenciadoras” de carreira e, portanto, se um álbum vende x ou y, não importa. O que importa são os “views, likes e afins”.

As grandes corporações também perceberam a tendência e/ou modus operandi das independentes. Quais os pontos as diferenciam? Tratar as pessoas como fãs de música (e não consumidores) e oferecer “material” diferenciado. É comum nos depararmos com relançamentos com vários extras, não apenas na “track list”, mas também na concepção de encartes e embalagens. São os famosos “boxes”, que custam um rim (risos). O “S&M2” é novamente um exemplo, pois começa na versão “básica” (a que realmente vende) e se estende àquelas que vem com um cílio (ou pentelho) do James Hatfield emoldurado.

 


E no país da cloroquina, misturada com o leite sagrado do Ornitorrinco da Amazônia na mamadeira de bilau?

Em primeiro lugar, começar a (re) criar o público consumidor e/ou colecionador já na adolescência. Como? Enfatizando a importância e o prazer em se consumir um produto físico. Tentar de alguma maneira oferecer preços mais baixos, sem perder a qualidade. Por exemplo, álbuns com “involucro” imitando vinis. Além de saírem muito mais em conta, ocupam menos espaço, outra característica de quem quer começar uma coleção.  Criar um custo de postagens básicas e mais baratas para os propagadores de arte independente. Tem de haver vontade “política”. Infelizmente, o momento do Ministério da Cultura é sóbrio com o Ministro “Malhação” (“tá difícil” - risos). Enfim, há várias ideias. É só tirar a bunda da zona de conforto e no mínimo tentar.

No entanto, o mais importante é pensar e consumir música como forma de arte, independente do estilo. NUNCA deixe de ouvir algo por causa do “formato”. Quem vos escreve é um apreciador e colecionar de música em praticamente em todos os formatos. Não importa qual seja. Físico ou não, há muita música boa (dependendo do gosto pessoal de cada um) no planeta! Pare de ouvir as mesmas cinco bandas e se aventure no mundo virtual ou nas poucas lojas e sebos, que ainda lutam pela arte!

 

Inté!

 

*Adalberto Belgamo é professor, atuando no museu (sem ser peça... ainda - risos), colaborador do Arte Metal, além de ser Parmerista, devorador de música boa, livros, filmes e seriados. Um verdadeiro anarquista fanfarrão.

Um comentário:

  1. Muito boa leitura, mas creio que escapou captar uma certa dimensão do contexto, ainda quase invisivel de fato. Há uma corrente de consumidores frequentes de CD, que são as bandas independentes. Aqui em nossas oficinas trabalhamos, entre outras atividades, produzindo CDs em pequenas tiragens por duplicação (30 cópias no mínimo) para as bandas que querem uma forma concreta, fisica, mas de baixo custo para fazer circular sua produção. São produtos mais baratos mas não menos esmerados, com ótimo acabamento gráfico e excelente qualidade sonora, geralmente com capas padrão envelope, e acabam chegando ao consumidor final a preço inferior ao do CD industrial em caixinha. O grande canal de venda/distribuição de tal formato são as próprias bandas em seus shows e eventos, ou sites de venda como o que mantemos na Som De Peso, onde se encontram materiais independentes de bandas de todo o país e exterior. Estamos produzindo CDs nesse padrão para diversas bandas e projetos de todo o Brasil desde 2017, e de lá para cá já são mais de 70 títulos lançados - mais de dois títulos por mês, em média, com tiragens variando de 50 a 300 exemplares. E a coisa parece estar crescendo. Bom ficar atento. :)

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