Por Vitor Franceschini
Não fossem os hiatos,
talvez o Scars seria um dos maiores nomes do Thrash Metal nacional. Porém, o
retorno com “Predatory” (2020), seu álbum mais completo, os paulistanos ainda
podem figurar em tal patamar. A qualidade encontrada no trabalho é imensa e a
pegada extremamente certeira. Para falar sobre seu novo trabalho e um pouco de
sua carreira, o baterista João Gobo e o guitarrista Alex Zeraib conversaram com
o ARTE METAL. Lembrando que a banda é completada por Regis F. (vocal), Thiago
Oliveira (guitarra) e Marcelo Mitché (baixo).
Depois
do lançamento de “Devilgod Alliance” (2008), o Scars encerrou as atividades.
Por que se deu este fato e como surgiu a ideia do retorno?
João
Gobo: É interessante poder rememorar esse período, que
coincide justamente com a minha entrada na banda. “Devilgod...” é peculiar, em
vários sentidos e acepções. Não posso me furtar em dizer que foi uma grande
honra ter participado daquele projeto. O álbum, em si, tinha uma finalidade
predefinida e muito bem delineada. Nossa função era registrar aquele material
que, de outro modo, poderia acabar esquecido ou abandonado. Desde o início, por
exemplo, sabíamos que não faríamos shows. Cumprida a missão, cada um seguiu
rumos diferentes em suas respectivas carreiras, mas uma coisa dever ser dita e
frisada. Nós nunca sentamos e deliberamos sobre encerrar as atividades. A banda
não havia acabado. A porta nunca foi efetivamente fechada. Ao longo dos anos,
mantive contato com o Alex e, por vezes, cogitávamos a possibilidade de nos
reunirmos. A iniciativa desse retorno ganhou especial vulto quando percebemos a
crescente manifestação dos fãs, especialmente na internet e plataformas digitais.
Quando
a banda retornou lançou um álbum ao vivo, “Armageddon on Tour 2019” (2019). Por
que optaram por lançar um trabalho ao vivo logo após o retorno?
Alex
Zeraib: Na verdade, o “Armageddon on Tour 2019” é uma
compilação remasterizada que fizemos com o setlist que estaríamos tocando nessa
nova turnê. Ele tem uma grande saída em todas as plataformas digitais e
planejamos lança-lo no formato físico em 2021 como parte dos lançamentos das
comemorações dos 30 anos do Scars.
Além
disso, vocês lançaram dois singles (“Armageddon” e “Silent Force”) e o EP “The
V8 Sessions (Vol. 01)”. Gostaria que falassem destes trabalhos?
João:
Não faria sentido para nós simplesmente retornarmos às atividades apenas
fazendo shows. Queríamos mostrar que ainda temos muito a oferecer, musicalmente
falando. Essa foi a ideia principal que desembocou em Armageddon e Silent
Force. Isso sem tocar no ponto de vista lírico, pois encerram uma história que
começou a ser contada no “The Nether Hell” (2005) e teve seus desdobramentos no
“Devilgod”. Era necessário fechar o ciclo para que outro se iniciasse. Já o EP
foi fruto de uma grande oportunidade. O estúdio V8 tem sido uma espécie de
quartel general da banda. Em alguns momentos gravávamos os ensaios para termos
uma noção mais realista de como as músicas, tanto as antigas quanto as novas
estavam soando. A qualidade do áudio nos surpreendeu e a ideia de transformar o
que ouvíamos em um EP surgiu naturalmente.
Enfim,
veio o tão aguardado segundo álbum, “Predatory” (2020). As composições, enfim,
a construção deste álbum data depois do retorno do grupo ou você também pegaram
ideias que foram engavetadas no passado não tão distante de antes do primeiro
hiato da banda?
João: “Predatory” é, essencialmente, um retrato do
Scars atual. A formação presente tem um feeling próprio e queríamos muito que
isso fosse registrado. Temos muita honra de nosso passado, mas compartilhamos
de um ideal pautado pela constante evolução e aprimoramento. Nesse hiato de dez
anos, cada um de nós (eu, Alex e Regis), que participamos de outras fases da
banda, se manteve musicalmente ativo e em constante evolução pessoal e musical.
A isso devemos somar a musicalidade e a criatividade dos novos membros (Marcelo
e Thiago). Todos, sem exceção, contribuíram durante o processo de composição do
álbum e, devo ressaltar que, até durante o efetivo momento da gravação, ideias
eram bem-vindas. É o resultado dessa dinâmica que o ouvinte tem acesso ao ouvir
o CD.
Uma
característica interessante do novo disco é a energia que ele emana. Parece uma
banda estreante e jovem, obviamente não no quesito inexperiência, mas no ar
empolgante que o disco traz. Essa energia vem de o fato de vocês terem ficado
um bom tempo parados ou surgiu naturalmente?
João:
Agradeço
pelas colocações! Não há dúvidas que essa pausa contribuiu de forma
extremamente benéfica. Particularmente atribuo essa energia à dedicação pessoal
de todos os envolvidos nesse projeto. Foi algo natural! Cada um de nós tem em
comum o apresso pela música pesada, mas individualmente, as influências são
díspares. A química surgiu justamente dessa confluência de ideias que
convergiram diretamente nas músicas do álbum. Não bastava ser rápido, técnico
ou pesado. Precisava, acima de tudo refletir a alma da banda, o momento atual,
dando início a um novo ciclo.
Nota-se
também, mesmo com o Thrash Metal que caracterizou a banda, uma leve melodia,
que colabora muito para esse dinamismo do álbum e também contrasta com a
agressividade, concordam?
João:
Muito bem observado! Na realidade, quando se analisa a discografia da banda, de
“Ultimate Encore” a “Predatory”, duas coisas saltam imediatamente aos ouvidos:
a evolução musical, marcada pelo amadurecimento natural, atrelado ao folego das
novas ideias e a inclusão de novos elementos que, uma vez absorvidos, ajudam a
moldar a identidade da banda, impedindo que soe datada. Talvez isso seja um
desdobramento natural do próprio estilo. Dentre os subgêneros do Heavy Metal,
provavelmente o Thrash Metal é o que abarca um maior número de elementos
constitutivos. Basta imaginar que Slayer, Metallica, Anthrax, Destruction e
Sepultura, para me ater somente aos grandes nomes, pertencem à grande família
Thrash, mas possuem identidades únicas absolutamente distintas entre si e, são
justamente essas distinções que os tornam singulares.
O
vocalista Regis F. está melhor ainda em sua performance, mesmo estando tantos
anos na ativa. Gostaria que falassem um pouco dessas ótimas linhas vocais.
João: Na
vida nos deparamos com pessoas extremamente talentosas. Há aqueles que precisam
se esforçar muito para terem o merecido lugar ao sol, mas também existem os
naturalmente vocacionados. Em minha opinião, esse é o Regis! São raros os casos
onde a voz se torna parte da identidade de uma banda, de forma tão intrínseca.
Posso citar UDO, Bruce Dickinson e Dio, como ótimos exemplos. Quando ouvimos
essas vozes, automaticamente nos remetemos às bandas. Para quem já teve a
oportunidade de ver o Regis em ação, a primeira impressão é que o palco foi
feito para ele, tamanho seu domínio da situação. É um frontman nato, dono de um
timbre único e sempre disposto a se aprimorar. Isso se mostra especialmente
evidente nas músicas novas. Os vários anos na ativa são traduzidos em ideias
musicais consistentes e coerentes, marcadas por linhas vocais extremamente
coesas, fruto de um constante amadurecimento.
E
como foi manter as características do Scars, porém dando uma roupagem atual ao
trabalho?
Alex: Foi
uma evolução natural e até mesmo maturidade pessoal das pessoas envolvidas. E
claro, tendo o Régis e eu juntos nas composições do Scars, sempre soaremos como
Scars. Ele e eu temos uma sintonia muito boa nisso e fazemos isso muito bem.
Nos divertimos muito em todo o processo e sempre buscamos nos superar, mas sem
perder nossas raízes.
E
qual o principal diferencial de “Predatory” em relação ao debut da banda?
Alex: Qualidade
sonora e maturidade nas composições. A tecnologia hoje possibilita que qualquer
processo de composição, pré-produção e até mesmo a gravação e mixagem de um
novo trabalho sejam mais cômodas, práticas e eficientes. Usamos e abusamos dos
recursos disponíveis hoje.
Voltando
ao passado, o split “Ultimate Encore”, lançado em 1994 ao lado das bandas Zero
Vision e Distraught, foi um dos primeiros CD’s de Metal que tive. O que lembram
dessa época e o que representa o trabalho pra vocês?
Alex:
Esse
foi o primeiro Split de Metal nesse formato lançado no Brasil. Foi uma grande
realização e um grande passo para o Scars participar deste CD. Ele colocou o Scars
no mundo e com ele fizemos 3 anos de muitos shows por todo o Brasil. Lembro de
um show na Casa de Cultura do Ipiranga em São Paulo com todo o cast desse CD,
que foi IN-SA-NO. Casa lotada, grande interação com o público e grande
irmandade entre as bandas.
Aliás,
duas das bandas presentes nele, vocês e o Distraught, estão na ativa. Isso é
muito legal e uma vitória em termos de Thrash Metal no Brasil, não?
Alex:
O
Distraught é um dos grandes ícones do nosso país e seguem sólidos em sua
ininterrupta carreira. Eles, sem dúvida, representam uma grande vitória para o
Metal nacional. Já o Zero Vision parece estar ensaiando uma volta, digo isso
pela movimentação da banda nas mídias sociais. É uma grande banda!
A
faixa título ganhou um videoclipe. Por que a escolheram e como foi trabalhar no
vídeo?
Alex: Escolhemos
a faixa título como o primeiro vídeo-clip/single a ser lançado para demonstrar
o poderio de fogo que o álbum todo possuía, e ela o representa muito bem como
um todo.
Aliás,
vocês têm o canal no Youtube bem ativo. Qual importância vocês veem nessa
plataforma e como procura trabalhar com ela?
Alex: Nós
utilizamos o YouTube mais como uma grande biblioteca com todo nosso material
disponível para audição. A verdadeira interação com o público e fãs se dá por
via de outras plataformas.
Por
fim, estamos vivendo tempos difíceis com cancelamentos de shows devido à
pandemia. Como vocês estão divulgando o trabalho e se adaptando à situação? E
quais os planos da banda?
Alex:
Fomos muito afortunados em poder terminar as gravações do novo álbum antes que
a pandemia se instaurasse. Com isso, durante o isolamento, mixamos todo o álbum
online e remotamente com nosso produtor Wagner Meirinho. Após terminar,
conseguimos fechar o contrato de lançamento mundial com o selo americano Brutal
Records e no Brasil com a grande Voice Music, fechando assim acordos e assinado
contratos tudo online. No momento estamos divulgando o álbum com lançamento de
vídeo-clips, entrevistas e shows online. Assim que tudo isso tiver passado,
retornaremos aos palcos com muita gana!
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