Por Adalberto Belgamo
Sempre me perguntam se
sou um “colecionador”. “Adalba (ninguém me chama de Adalberto - risos -
inclusive na época da internet a carvão, nos “chats”, alguns “gringos” achavam
que eu era uma moça, feia para carvalho, diga-se de passagem - risos), você
coleciona mídia física?”
Sim e não. Eu venho de
uma família musical. A minha infância foi marcada pelas modas de viola, brega,
disco e bandas de rock como Beatles e Creedence Clearwater Revival, das quais
sou fã até hoje. Essa miscelânea sonora foi a responsável em construir o meu
gosto musical a partir da adolescência. Pra mim, não existe música boa ou ruim,
mas a que eu escuto e a que não me interesso e/ou não conheço. O que pode ser
bom para mim, necessariamente não é para outras pessoas e vice e versa e versa
e vice.
Nos anos oitenta, nos
quais passei minha adolescência, depois de quase entrar para o seminário (o meu
teste vocacional deu positivo), comecei a arquitetar minhas preferências
musicais.
“Mas, seminário???” Sim,
fui criado em um ambiente religioso, mas não acéfalo (risos). Convivi (o) com
crenças e fé diversas. A culpa está no sobrenatural? Não, está nos fanáticos.
Mas isso é outra conversa. Enfim depois de me tornar um anarquista fanfarrão
(apesar da minha cara de padre), o Rock & Roll falou mais alto e, desde
então é uma das razões da minha existência.
Os primeiros “itens” da
coleção foram as famosas fitinhas cassetes. Eu tinha um gravadorzinho da
Philips, meu refúgio para ouvir o que eu queria. Acho (não, tenho certeza!),
fui o indivíduo mais chato do mundo, pedindo para alguém preencher os dois
lados das fitinhas.
Algum tempo depois,
consegui comprar três LPs. “Paranoid”
do Black Sabbath (1970, o primeiro!), “Rock and Roll Over” do Kiss (1976) e o
Deep Purple “In Rock” (1970). Mas havia um problema. Não tinha onde
escutá-los! Demorou um pouco para convencer meus pais a comprarem uma “sonatinha”.
Eu dependia de ir à casa
de algum amigo para ouvir meus três discos. Mas, eis que o dia chegou! “Agora
eu “se” consagro!”, pensei.
Mas, e o dinheiro para
adquirir os vinis? Eles eram praticamente inacessíveis (como acontece com a
maioria das mídias físicas atualmente) e caros. O que fazer, sendo apenas um
estudante?
Juntar moedas
literalmente, fazer bicos e vender tralhas, que povoavam o fundo do quintal de
casa. Antigamente, havia os tais “consoles” nos carros. Eram feitos para
colocar de tudo um pouco, se bobear até privadas! (risos). Meus irmãos faziam
uns “rolos” de carros e sobravam aqueles itens pré-históricos. Juntamente com
pneus e outras coisas, passava tudo pra frente. Fazia uns “bicos” e pedia de
presente em ocasiões especiais.
Assim começou o “vício”. Depois
vieram o aparelho de som da Gradiente (comprado em 18 vezes pela pessoa mais
importante da minha vida - minha falecida mãe! eu trocaria toda a minha coleção
para tê-la comigo nem que fosse por um período muito curto de tempo...), o
Walkman, o CD player, o MP3 player e assim por diante.
Nessa “caminhada” houve
fatos pitorescos e interessantes. Meus pais, como dito acima, eram muito
religiosos. Faziam parte de um grupo de oração (cada um na sua). Havia reuniões
semanais para rezar, que terminavam em uns comes e bebes, normalmente pizza de
sardinha (a melhor!). O grupo arrecadava dinheiro para a caridade. Tudo era
guardado em uma caixa de sapatos, em cima do guarda-roupa. Já imaginaram, quem
sorrateiramente “emprestou” um dinheirinho de Jesus para comprar fitas cassetes
virgens, né? Deu o maior rolo (risos).
Na época forte do vinil,
além de caros, era difícil encontrar algo na minha cidade. Várias vezes, eu e
alguns amigos íamos para São Paulo na Galeria do Rock ou na Woodstock para
abastecer a gurizada. Em uma ocasião, um amigo esqueceu a compra dele e de
outros no ônibus. Imagino quem as encontrou (e não devolveu) ouvindo as bandas
de Black/Death/Thrash Metal!
Eu sempre opto por
comprar material de bandas independentes e/ou underground ou alternativas. E
como tenho um gosto peculiar - de Robert Johnson a Cannibal Corpse, passando,
por R.E.M., Joy Division, Sabbath, Vio-lence, Ani Difranco Slayer e Springsteen
-, quando o movimento Punk surgiu no país no começo da década de 80, tive a
oportunidade de adquirir os “clássicos” “Grito Suburbano”, “Crucificados...”,
7” do Rattus entre outros. No começo dos anos 90, além da faculdade, eu também
já trabalhava e, portanto, chegava em casa no começo da noite. Alguns “amigos”
passavam em casa para emprestar “coisas”. Meu finado pai (bonachão e engraçado)
mandava o pessoal entrar no meu quarto e pegar o que quisesse. Nunca mais vi
meus vinis DIY brasileiros. Espero que pelo menos não os tenham vendido ou
trocado por pedras e doces (risos).
Nesta mesma época, o CD
já era uma realidade. Eu, como sempre bonzinho (ou otário), emprestava a quem
pedisse. Uma amiga queria uma coletânea dos Ramones - uma das minhas bandas
preferidas - em uma fitinha. Como a
coleção não era grande, não tinha feito ainda um banco de dados ou algo
parecido, colocava apenas uma etiqueta com meu nome e data na parte de trás dos
CDs. Não encontrei três álbuns. O tempo passou e fui descobrir que os CDs
viajaram pelas unidades da UNESP e, finalmente, encontraram descanso em São
Carlos/SP, cidade vizinha de Texascoara (Araraquara/SP).
Estava em uma festa de
República na cidade (balburdia rules!) e comecei a olhar os CDs, que
alimentavam os decibéis do evento, em uma caixa. Quando puxei os dos Ramones,
encontrei os três fugitivos! Depois de provar que os CDs eram meus (as
etiquetas), contaram-me a saga toda. De Bauru/SP (ou Jau/SP), foram para Rio
Claro/SP, voltaram para Texascoara e aportaram em São Carlos. Não lembrava para
quem os tinha emprestado, mas esse “ser” emprestou para outro, o outro para
mais alguém e esse alguém para mais não sei quem! Enfim, a balbúrdia, como
sempre, me salvou! (risos)
Hoje em dia, eu não faço
mais isso, mas muitas vezes deixei de fazer muitas coisas (inclusive comer!)
para economizar dinheiro e aumentar a coleção.
Inúmeras vezes, preferi
ficar em casa a sair com os amigos e/ou alguma namorada (a maioria nunca
compreendeu o fascínio pela música) e, assim, juntar um ‘dindin’ para comprar
uma mídia física. Cheguei ao ponto de passar quase o dia todo sem comer para
comprar uns CDs.
A primeira vez do Sonic Youth
no Brasil foi no Free Jazz, no começo dos anos 2000. Hospedei-me na casa da tia
de um amigo. Antes de ir para o show, fizemos um lanche por volta das seis
horas da tarde. No festival, além de não ter comido nada, ainda tive de aturar
um personagem (mais louco que o Batman) me serrando bastonetes de nicotina, que
mais tarde descobri ser não sei quem do Balão Mágico. Surreal! (risos)
No dia seguinte,
resolvemos passar na Galeria do Rock antes de encarar quase cinco horas de
viagem para Texascoara. Foi o maior erro da aventura. O dinheiro da passagem?
Separado! O dinheiro para almoçar e comer algo na parada no posto? Separado!
Mas gastos na Galeria. Praticamente 24 horas sem comer!
São 40 anos nessa “lida”.
Eu ainda me lembro de quando comprava alguns vinis do Pink Floyd em uma loja (a
mesma do aparelho em 18 vezes) com autorização escrita em punho pelos
“responsáveis”. Passava seis meses pagando e torcendo para que o tempo passasse
rápido para fazer outra “dívida”.
Houve a época de ouro dos
famosos CDRs. As HDs eram pequenas e não existia tocador de MP3. O primeiro “queimador”
de CDs ninguém esquece! (risos). Napster, Soulseek e outros programas de
compartilhamento. Momento democrático - sem discutir questões legais e
financeiras -, em que todos tinham acesso a tudo. Minha primeira MP3 foi
baixada em uma Universidade Estadunidense. Tive de fazer o backup em dois
“disquetes” (risos).
Ainda mantenho uma
coleção “paralela” de CDRs. Alguns artistas do início do site MP3.com e bandas
independentes, as quais não existem mais nem no físico, nem no digital.
Enfim... “Mas você se
considera um colecionador?” Sim, de música. Não de formato. Tanto faz se é
físico - apesar da “coleção” - ou digital (mais de 8000 álbuns em MP3). “Mas
você ouve tudo isso?” Sim. Fitinhas, vinis, CDs, CDRs, MP3 e, apesar de não ser
fã, algumas vezes apelo para o streaming pela “comodidade”.
“Continua valendo a pena
o vício, o tempo e o dinheiro empregados?” Às vezes, eu mesmo me questiono! Sim.
A diferença é que por questões econômicas (ah, vá... risos) e as atribuições
corridas do dia a dia, sou um pouco mais seletivo (nem tanto) nas escolhas e
“empreendimentos”.
Não consigo enxergar a
música como um passatempo. É parte importante da minha vida e, certamente, de
milhões de pessoas. Atualmente já com “os cabelos brancos sedução e/ou
grisalhos pecado” (risos), tenho mais certeza ainda da minha escolha.
Na música, encontrei
conforto nas horas difíceis. Trilha sonora nos momentos alegres e,
principalmente, encontrei e fiz amigos para o resto da vida.
Não importa o formato,
mas sim o sentimento e a celebração. Crianças e “crianços” (risos), não caiam
na conversa mole dos tais “influencers”, que criticam formatos e a maneira pela
qual a música é absorvida. O importante é arte, a paixão e o prazer! Tanto faz
se as notas saem de um equipamento de 30000 dinheiros, dos falantes do
computador ou dos fones do celular!
Inté!
*Adalberto
Belgamo é professor, atuando no museu (sem ser peça... ainda - risos),
colaborador do Arte Metal, além de ser Parmerista, devorador de música boa,
livros, filmes e seriados. Um verdadeiro anarquista fanfarrão.
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