terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

In Lo(u)co: Sou colecionador de música e não de formatos

 


Por Adalberto Belgamo

Sempre me perguntam se sou um “colecionador”. “Adalba (ninguém me chama de Adalberto - risos - inclusive na época da internet a carvão, nos “chats”, alguns “gringos” achavam que eu era uma moça, feia para carvalho, diga-se de passagem - risos), você coleciona mídia física?”

Sim e não. Eu venho de uma família musical. A minha infância foi marcada pelas modas de viola, brega, disco e bandas de rock como Beatles e Creedence Clearwater Revival, das quais sou fã até hoje. Essa miscelânea sonora foi a responsável em construir o meu gosto musical a partir da adolescência. Pra mim, não existe música boa ou ruim, mas a que eu escuto e a que não me interesso e/ou não conheço. O que pode ser bom para mim, necessariamente não é para outras pessoas e vice e versa e versa e vice.

Nos anos oitenta, nos quais passei minha adolescência, depois de quase entrar para o seminário (o meu teste vocacional deu positivo), comecei a arquitetar minhas preferências musicais.

“Mas, seminário???” Sim, fui criado em um ambiente religioso, mas não acéfalo (risos). Convivi (o) com crenças e fé diversas. A culpa está no sobrenatural? Não, está nos fanáticos. Mas isso é outra conversa. Enfim depois de me tornar um anarquista fanfarrão (apesar da minha cara de padre), o Rock & Roll falou mais alto e, desde então é uma das razões da minha existência.

Os primeiros “itens” da coleção foram as famosas fitinhas cassetes. Eu tinha um gravadorzinho da Philips, meu refúgio para ouvir o que eu queria. Acho (não, tenho certeza!), fui o indivíduo mais chato do mundo, pedindo para alguém preencher os dois lados das fitinhas.



Algum tempo depois, consegui comprar três LPs. “Paranoid” do Black Sabbath (1970, o primeiro!), “Rock and Roll Over” do Kiss (1976) e o Deep Purple “In Rock” (1970). Mas havia um problema. Não tinha onde escutá-los! Demorou um pouco para convencer meus pais a comprarem uma “sonatinha”.  

Eu dependia de ir à casa de algum amigo para ouvir meus três discos. Mas, eis que o dia chegou! “Agora eu “se” consagro!”, pensei.

Mas, e o dinheiro para adquirir os vinis? Eles eram praticamente inacessíveis (como acontece com a maioria das mídias físicas atualmente) e caros. O que fazer, sendo apenas um estudante?

Juntar moedas literalmente, fazer bicos e vender tralhas, que povoavam o fundo do quintal de casa. Antigamente, havia os tais “consoles” nos carros. Eram feitos para colocar de tudo um pouco, se bobear até privadas! (risos). Meus irmãos faziam uns “rolos” de carros e sobravam aqueles itens pré-históricos. Juntamente com pneus e outras coisas, passava tudo pra frente. Fazia uns “bicos” e pedia de presente em ocasiões especiais.

Assim começou o “vício”. Depois vieram o aparelho de som da Gradiente (comprado em 18 vezes pela pessoa mais importante da minha vida - minha falecida mãe! eu trocaria toda a minha coleção para tê-la comigo nem que fosse por um período muito curto de tempo...), o Walkman, o CD player, o MP3 player e assim por diante.



Nessa “caminhada” houve fatos pitorescos e interessantes. Meus pais, como dito acima, eram muito religiosos. Faziam parte de um grupo de oração (cada um na sua). Havia reuniões semanais para rezar, que terminavam em uns comes e bebes, normalmente pizza de sardinha (a melhor!). O grupo arrecadava dinheiro para a caridade. Tudo era guardado em uma caixa de sapatos, em cima do guarda-roupa. Já imaginaram, quem sorrateiramente “emprestou” um dinheirinho de Jesus para comprar fitas cassetes virgens, né? Deu o maior rolo (risos).

Na época forte do vinil, além de caros, era difícil encontrar algo na minha cidade. Várias vezes, eu e alguns amigos íamos para São Paulo na Galeria do Rock ou na Woodstock para abastecer a gurizada. Em uma ocasião, um amigo esqueceu a compra dele e de outros no ônibus. Imagino quem as encontrou (e não devolveu) ouvindo as bandas de Black/Death/Thrash Metal!

Eu sempre opto por comprar material de bandas independentes e/ou underground ou alternativas. E como tenho um gosto peculiar - de Robert Johnson a Cannibal Corpse, passando, por R.E.M., Joy Division, Sabbath, Vio-lence, Ani Difranco Slayer e Springsteen -, quando o movimento Punk surgiu no país no começo da década de 80, tive a oportunidade de adquirir os “clássicos” “Grito Suburbano”, “Crucificados...”, 7” do Rattus entre outros. No começo dos anos 90, além da faculdade, eu também já trabalhava e, portanto, chegava em casa no começo da noite. Alguns “amigos” passavam em casa para emprestar “coisas”. Meu finado pai (bonachão e engraçado) mandava o pessoal entrar no meu quarto e pegar o que quisesse. Nunca mais vi meus vinis DIY brasileiros. Espero que pelo menos não os tenham vendido ou trocado por pedras e doces (risos).

Nesta mesma época, o CD já era uma realidade. Eu, como sempre bonzinho (ou otário), emprestava a quem pedisse. Uma amiga queria uma coletânea dos Ramones - uma das minhas bandas preferidas -  em uma fitinha. Como a coleção não era grande, não tinha feito ainda um banco de dados ou algo parecido, colocava apenas uma etiqueta com meu nome e data na parte de trás dos CDs. Não encontrei três álbuns. O tempo passou e fui descobrir que os CDs viajaram pelas unidades da UNESP e, finalmente, encontraram descanso em São Carlos/SP, cidade vizinha de Texascoara (Araraquara/SP).

Estava em uma festa de República na cidade (balburdia rules!) e comecei a olhar os CDs, que alimentavam os decibéis do evento, em uma caixa. Quando puxei os dos Ramones, encontrei os três fugitivos! Depois de provar que os CDs eram meus (as etiquetas), contaram-me a saga toda. De Bauru/SP (ou Jau/SP), foram para Rio Claro/SP, voltaram para Texascoara e aportaram em São Carlos. Não lembrava para quem os tinha emprestado, mas esse “ser” emprestou para outro, o outro para mais alguém e esse alguém para mais não sei quem! Enfim, a balbúrdia, como sempre, me salvou! (risos)



Hoje em dia, eu não faço mais isso, mas muitas vezes deixei de fazer muitas coisas (inclusive comer!) para economizar dinheiro e aumentar a coleção.

Inúmeras vezes, preferi ficar em casa a sair com os amigos e/ou alguma namorada (a maioria nunca compreendeu o fascínio pela música) e, assim, juntar um ‘dindin’ para comprar uma mídia física. Cheguei ao ponto de passar quase o dia todo sem comer para comprar uns CDs.

A primeira vez do Sonic Youth no Brasil foi no Free Jazz, no começo dos anos 2000. Hospedei-me na casa da tia de um amigo. Antes de ir para o show, fizemos um lanche por volta das seis horas da tarde. No festival, além de não ter comido nada, ainda tive de aturar um personagem (mais louco que o Batman) me serrando bastonetes de nicotina, que mais tarde descobri ser não sei quem do Balão Mágico. Surreal! (risos)

No dia seguinte, resolvemos passar na Galeria do Rock antes de encarar quase cinco horas de viagem para Texascoara. Foi o maior erro da aventura. O dinheiro da passagem? Separado! O dinheiro para almoçar e comer algo na parada no posto? Separado! Mas gastos na Galeria. Praticamente 24 horas sem comer!

São 40 anos nessa “lida”. Eu ainda me lembro de quando comprava alguns vinis do Pink Floyd em uma loja (a mesma do aparelho em 18 vezes) com autorização escrita em punho pelos “responsáveis”. Passava seis meses pagando e torcendo para que o tempo passasse rápido para fazer outra “dívida”.

Houve a época de ouro dos famosos CDRs. As HDs eram pequenas e não existia tocador de MP3. O primeiro “queimador” de CDs ninguém esquece! (risos). Napster, Soulseek e outros programas de compartilhamento. Momento democrático - sem discutir questões legais e financeiras -, em que todos tinham acesso a tudo. Minha primeira MP3 foi baixada em uma Universidade Estadunidense. Tive de fazer o backup em dois “disquetes” (risos).

Ainda mantenho uma coleção “paralela” de CDRs. Alguns artistas do início do site MP3.com e bandas independentes, as quais não existem mais nem no físico, nem no digital.

Enfim... “Mas você se considera um colecionador?” Sim, de música. Não de formato. Tanto faz se é físico - apesar da “coleção” - ou digital (mais de 8000 álbuns em MP3). “Mas você ouve tudo isso?” Sim. Fitinhas, vinis, CDs, CDRs, MP3 e, apesar de não ser fã, algumas vezes apelo para o streaming pela “comodidade”.

“Continua valendo a pena o vício, o tempo e o dinheiro empregados?” Às vezes, eu mesmo me questiono! Sim. A diferença é que por questões econômicas (ah, vá... risos) e as atribuições corridas do dia a dia, sou um pouco mais seletivo (nem tanto) nas escolhas e “empreendimentos”.

Não consigo enxergar a música como um passatempo. É parte importante da minha vida e, certamente, de milhões de pessoas. Atualmente já com “os cabelos brancos sedução e/ou grisalhos pecado” (risos), tenho mais certeza ainda da minha escolha.

Na música, encontrei conforto nas horas difíceis. Trilha sonora nos momentos alegres e, principalmente, encontrei e fiz amigos para o resto da vida.

Não importa o formato, mas sim o sentimento e a celebração. Crianças e “crianços” (risos), não caiam na conversa mole dos tais “influencers”, que criticam formatos e a maneira pela qual a música é absorvida. O importante é arte, a paixão e o prazer! Tanto faz se as notas saem de um equipamento de 30000 dinheiros, dos falantes do computador ou dos fones do celular!

 

Inté!

 

*Adalberto Belgamo é professor, atuando no museu (sem ser peça... ainda - risos), colaborador do Arte Metal, além de ser Parmerista, devorador de música boa, livros, filmes e seriados. Um verdadeiro anarquista fanfarrão.

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