O pioneirismo e a unicidade do debut da banda
Por Vitor Franceschini
Voltando a desbravar
alguns dos discos que mais ouvi na vida, trago desta vez um trabalho pioneiro
do Metal nacional, “Remembrance” (1999),
primeiro álbum cheio da banda mineira Silent
Cry. Talvez este tenha sido o álbum nacional que mais ouvi na vida, e como
de costume aqui nesta série, descreverei mais meu sentimento pelo disco do que
suas partes técnicas. Afinal, não tem como tecer uma crítica justa a algo tão
particular, principalmente que se tornou um clássico.
Óbvio que tenho que falar
do momento, pois o Gothic Metal explodia naqueles tempos, mais precisamente em
1999, onde a inclusão de vocais líricos femininos contrastando com vocais
guturais masculinos estava na ‘moda’. Os medalhões do estilo eram Theatre of Tragedy, Tristania, Trail of Tears, entre outros.
Mas a história do Silent Cry vem de antes. Por mais que
seu relativo sucesso tenha sido puxado por esta vertente, a banda surgiu junto
com os noruegueses do Theatre of Tragedy,
e anteriormente aos outros nomes que viriam a estourar nessa onda. E mais, seu
som inicial, registrado nas demos “Tanatófilo,
Opulente Plenilúnio” (1994) e “Tears
of Serenity” (1997) caminhava por uma trilha mais Dark/Doom Metal e até
Black Metal, extremamente obscura e depressiva, esta última incluindo devagar o
vocal feminino.
Foi em “Remebrance” que esse elemento em si se
fez mais presente, aliás, pegou seu protagonismo através da voz de Suely
Ribeiro, que já havia gravado a segunda demo. Mantendo os elementos do
Dark/Doom, principalmente no trabalho das guitarras, a sonoridade da banda
ganhou intensos climas atmosféricos com a entrada do saudoso tecladista Bruno
Selmer, que cometeu suicídio em 2004. Ótimo arranjador e compositor, o jovem Selmer
intensificou o clima melancólico das músicas, ajudando a banda a atingir em
cheio as almas mais depressivas.
“Remembrance”
é um disco introspectivo, para ser ouvido sozinho, dentro da própria intimidade
e suprimir toda a tristeza contida dentro de si em forma de música, espantando
demônios que a vida cotidiana nos impõe. O seu ar atmosférico faz com que nos
abramos à melancolia de forma mais sublime e reflexiva, causando um sentimento
estranho onde a beleza e o sofrimento interno se encontram.
Silent Cry na época de "Remembrance" |
O trabalho de pouco mais
de 40 minutos, distribuídos em uma Intro eufórica e sete canções, possui aquele
‘tracklist’ onde não se pode excluir nenhuma das faixas e várias delas
expressam diversos dos sentimentos mais profundos do ser humano. Tragic Memory, que surge após a introdução,
por exemplo, parece querer nos levar inicialmente para uma veia mais erudita e
sinfônica (mais presente nos medalhões citados), mas logo após um urro de
Dilpho Castro (também guitarrista, fundador e a frente da banda até hoje)
derruba essa hipótese e nos coloca em um Doom/Atmospheric de alto gabarito.
Celestial
Tears, uma das mais conhecidas do disco, soa totalmente
atmosférica e possui solos intensos de guitarras (característica do disco), que
dão um clima ainda mais lúgubre onde Suely assume o protagonismo. Enquanto
isso, Ages traz um clima mais
apocalíptico, mantendo a qualidade nos solos de guitarras, que aqui introduzem
à música e mostram linhas vocais mais agonizantes.
A mais intensa do disco, a
curta My Last Pain resgata uma veia
Mais Dark/Black e erudita, mostrando um dueto de vocais masculinos guturais /
limpos (estes feitos como backings pelo guitarrista Cassio Brandi), e serve
quase que como um prelúdio para The Death
Invites to Dance (escrita erroneamente ‘The
Devil Invites To Dance’ na contracapa), uma das mais versáteis do disco,
sendo a mais triste, mesmo com variação no clima e uma ótima quebrada de
andamento.
Innocence
é mais uma erudita, que traz ótimos ‘backing’ de Cassio no refrão e talvez o
melhor momento da cozinha, com linhas mais intensas, formada na época por
Jaderson Vitorino (baixo) e Ricardo Meirelles (bateria). Enfim, a épica faixa
título encerra o álbum trazendo praticamente todos os elementos instrumentais
do disco, desde a veia Doom, o arranjo atmosférico intenso e incrivelmente
futurístico e uma progressão que dá um fim apoteótico ao trabalho.
Ouvir “Remebrance”, lançado pela Demise
Records, se tornou uma tarefa tão viciante a época, que era contar as horas
finais da escola, chegar em casa, pôr o CD (que adquiri pelo correio com a
própria banda) pra tocar e refletir sobre a vida em uma fase de tantas dúvidas
que a adolescência traz. Hoje, ouvir esse álbum novamente apenas uma vez é
impossível, e a reflexão que fica é que ele foi parceiro num momento de
transição tão difícil onde a música era minha melhor amiga (e continua sendo).
Definitivamente, o álbum de estreia do Silent Cry é uma ida sem volta.
ÓTIMA RESENHA Saudades de tocar essas músicas 🤘🤘🤘🤘
ResponderExcluir