terça-feira, 6 de julho de 2021

SILENT CRY - “Remembrance”: uma ida sem volta


 


O pioneirismo e a unicidade do debut da banda

 

Por Vitor Franceschini

 

Voltando a desbravar alguns dos discos que mais ouvi na vida, trago desta vez um trabalho pioneiro do Metal nacional, “Remembrance” (1999), primeiro álbum cheio da banda mineira Silent Cry. Talvez este tenha sido o álbum nacional que mais ouvi na vida, e como de costume aqui nesta série, descreverei mais meu sentimento pelo disco do que suas partes técnicas. Afinal, não tem como tecer uma crítica justa a algo tão particular, principalmente que se tornou um clássico.

Óbvio que tenho que falar do momento, pois o Gothic Metal explodia naqueles tempos, mais precisamente em 1999, onde a inclusão de vocais líricos femininos contrastando com vocais guturais masculinos estava na ‘moda’. Os medalhões do estilo eram Theatre of Tragedy, Tristania, Trail of Tears, entre outros.

Mas a história do Silent Cry vem de antes. Por mais que seu relativo sucesso tenha sido puxado por esta vertente, a banda surgiu junto com os noruegueses do Theatre of Tragedy, e anteriormente aos outros nomes que viriam a estourar nessa onda. E mais, seu som inicial, registrado nas demos “Tanatófilo, Opulente Plenilúnio” (1994) e “Tears of Serenity” (1997) caminhava por uma trilha mais Dark/Doom Metal e até Black Metal, extremamente obscura e depressiva, esta última incluindo devagar o vocal feminino.

Foi em “Remebrance” que esse elemento em si se fez mais presente, aliás, pegou seu protagonismo através da voz de Suely Ribeiro, que já havia gravado a segunda demo. Mantendo os elementos do Dark/Doom, principalmente no trabalho das guitarras, a sonoridade da banda ganhou intensos climas atmosféricos com a entrada do saudoso tecladista Bruno Selmer, que cometeu suicídio em 2004. Ótimo arranjador e compositor, o jovem Selmer intensificou o clima melancólico das músicas, ajudando a banda a atingir em cheio as almas mais depressivas.

“Remembrance” é um disco introspectivo, para ser ouvido sozinho, dentro da própria intimidade e suprimir toda a tristeza contida dentro de si em forma de música, espantando demônios que a vida cotidiana nos impõe. O seu ar atmosférico faz com que nos abramos à melancolia de forma mais sublime e reflexiva, causando um sentimento estranho onde a beleza e o sofrimento interno se encontram.

Silent Cry na época de "Remembrance"


O trabalho de pouco mais de 40 minutos, distribuídos em uma Intro eufórica e sete canções, possui aquele ‘tracklist’ onde não se pode excluir nenhuma das faixas e várias delas expressam diversos dos sentimentos mais profundos do ser humano. Tragic Memory, que surge após a introdução, por exemplo, parece querer nos levar inicialmente para uma veia mais erudita e sinfônica (mais presente nos medalhões citados), mas logo após um urro de Dilpho Castro (também guitarrista, fundador e a frente da banda até hoje) derruba essa hipótese e nos coloca em um Doom/Atmospheric de alto gabarito.

Celestial Tears, uma das mais conhecidas do disco, soa totalmente atmosférica e possui solos intensos de guitarras (característica do disco), que dão um clima ainda mais lúgubre onde Suely assume o protagonismo. Enquanto isso, Ages traz um clima mais apocalíptico, mantendo a qualidade nos solos de guitarras, que aqui introduzem à música e mostram linhas vocais mais agonizantes.

A mais intensa do disco, a curta My Last Pain resgata uma veia Mais Dark/Black e erudita, mostrando um dueto de vocais masculinos guturais / limpos (estes feitos como backings pelo guitarrista Cassio Brandi), e serve quase que como um prelúdio para The Death Invites to Dance (escrita erroneamente ‘The Devil Invites To Dance’ na contracapa), uma das mais versáteis do disco, sendo a mais triste, mesmo com variação no clima e uma ótima quebrada de andamento.

Innocence é mais uma erudita, que traz ótimos ‘backing’ de Cassio no refrão e talvez o melhor momento da cozinha, com linhas mais intensas, formada na época por Jaderson Vitorino (baixo) e Ricardo Meirelles (bateria). Enfim, a épica faixa título encerra o álbum trazendo praticamente todos os elementos instrumentais do disco, desde a veia Doom, o arranjo atmosférico intenso e incrivelmente futurístico e uma progressão que dá um fim apoteótico ao trabalho.

Ouvir “Remebrance”, lançado pela Demise Records, se tornou uma tarefa tão viciante a época, que era contar as horas finais da escola, chegar em casa, pôr o CD (que adquiri pelo correio com a própria banda) pra tocar e refletir sobre a vida em uma fase de tantas dúvidas que a adolescência traz. Hoje, ouvir esse álbum novamente apenas uma vez é impossível, e a reflexão que fica é que ele foi parceiro num momento de transição tão difícil onde a música era minha melhor amiga (e continua sendo). Definitivamente, o álbum de estreia do Silent Cry é uma ida sem volta.

 








Um comentário:

  1. ÓTIMA RESENHA Saudades de tocar essas músicas 🤘🤘🤘🤘

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