terça-feira, 31 de janeiro de 2012

OMFALOS - Doentio e Perturbador


“Desespero, depressão, solidão ... Palavras que estão em um lugar comum hoje em dia. Todos nós nos sentimos deprimidos em um ponto das nossas vidas. Para alguns é um inimigo constante e onipresente. Ou amigo, se você se encaixa. Duas pessoas que se sentiam assim nos últimos anos. Decidiram deixá-lo traduzir-se em ruídos.” O início do release da banda brasiliense Omfalos resume bem o contexto lírico e sonoro produzido pelo, na verdade, duo. Thormianak (Miasthenia, ex-Harppia e Vultos Vocíferos) é responsável pelas cordas e teclas e Le Misanthrope (Red Old Snake) cuida das vozes e dos samples. A dupla investe em uma sonoridade ímpar, extrema, doentia e perturbadora, resumida nesta resenha. Falamos com ambos, sobre o projeto (que já se consolidou como banda) e muito mais nas linhas a seguir.

Conte-nos como surgiu a ideia do projeto.

Thormianak: Eu comecei a compor aleatoriamente algumas músicas por volta de 2008, as quais não cabiam na estética sonora do Miasthenia, e chamei um amigo, Gabriel Teykal, para tocar bateria neste projeto, ainda sem nome. Após alguns ensaios, ele teve que se mudar para Portugal, e eu parei com o projeto. Mas em 2009 conheci o Zé Misanthrope e nossos afins começaram falar mais alto, de uma forma que até então não tinha vivenciado, tanto artisticamente como na nossa vida pessoal. Nós dois fomos agraciados com algumas doenças psiquiátricas parecidas, como a depressão crônica, síndrome do pânico e bipolaridade. Estas peculiaridades musicais e pessoais nos uniram muito e tornaram possível conceber este álbum “Idiots Savants” em meados de 2010, ano que marcou o início do fim de um ciclo daninho com este “vômito existencial” para nós dois!

Qual o significado do nome Omfalos?

Thormianak: Omfalos é uma palavra grega que significa umbigo. O umbigo é, desde tempos remotos, o símbolo do centro a partir do qual se dá a criação do mundo e está presente em muitas culturas. O Omfalos é o símbolo do centro cósmico, onde se cria a comunicação entre o mundo dos homens, o mundo dos mortos e o mundo dos deuses. Para nós este conceito de centro do mundo, onde se pode comunicar-se com mortos, deuses e homens reflete nossas músicas que por si só carregam um sentimento enorme de interação de quem as ouve e compreende.

Como foi o processo de composição de “Idiots Savants” e como é trabalhar apenas em dois integrantes, já que vocês veem de bandas com mais integrantes?

Thormianak: É relativamente fácil trabalhar em dupla quando se conhecem as particularidades e nuances do outro, ou seja, temos nossos espaços definidos, mas sempre mutáveis de vez em quando. Explico, eu faço a parte musical inteira inspirado nas vocalizações e possíveis letras vindas do Misanthrope, mas ele colabora em alguns casos para “intencionar” mais pro lado industrial ou progressivo. Temos feito isso de uma maneira tão natural que hoje já temos uma rotina. Toda sexta, depois do trabalho regular, eu apareço no Less Than Zero (estúdio caseiro do Misanthrope) e componho algo que desenvolvi naquela semana. Foi assim com o “Idiots Savants” e está sendo assim com o próximo álbum, que está quase pronto já.


Misanthrope: A parte lírica é feita posteriormente em um processo bem menos calculado e livre. Sento e escuto as músicas por diversas vezes e uso alguns procedimentos de escrita inconsciente para deixar tudo mais espontâneo. Muitas partes do meu vocal foram gravadas em primeiro take e de improviso. Achamos que essa vibração de urgência é algo que define muito bem nosso som e nos ajuda com a aura de desespero que buscamos implicar ao nosso som.
Quanto a outros integrantes, fora a bateria, preferimos manter somente nós dois como núcleo criativo e de gravação. Não fechamos as portas para eventuais participações especiais, mas creio que não mudaremos esta característica. Somos uma dupla e preferimos nos manter assim no ambiente de composição e estúdio.

Tanto Thorminiak quanto Le Misanthrope são oriundos de bandas que fazem um estilo totalmente diferente do praticado pelo Omfalos. Isso influencia no processo de composição, principalmente por vocês praticarem um estilo indefinido dentro do Metal extremo?

Thormianak: Não, sou de uma geração anterior a rótulos dentro do Heavy Metal, isso digo, por volta de 1983/84. Naquela época eu adorava e ainda adoro, Kiss, Iron Maiden, Venom, Ratt, Hellhammer, Y&T, Misfits, e mais um monte de bandas de outros estilos de musica pesada obscura, como Teerveet Kadeet, Fields Of The Nephilin, Alien Sex Fiend, Dead Can Dance, entre outras. Escolhi tocar no Miasthenia e adotar o Black Metal, por me sentir muito a vontade com a temática da mesma, hoje sei que pratico um Black Metal único aqui no Brasil com esta banda. Com o Omfalos, por ter esse background de anos ouvindo, curtindo o Heavy Metal como um todo, e a música obscura/agressiva no geral, posso te garantir que me sinto bem confortável tocando um estilo “indefinido” de Metal, como você disse. Mas não acho que soemos titubeantes, sei muito bem onde quero chegar quando componho algo. Tudo que fazemos como dupla tem começo, meio e fim.

Misanthrope: Eu também venho de um ambiente mais diverso e isso nos ajuda muito a criar coisas menos óbvias e tentar um approach mais inusitado em nosso som. Ajuda-se a isso o fato de sermos muito influenciados por outros tipos de arte como filmes, livros e pinturas.



Falando ainda de estilos, acredito que a sonoridade do Omfalos se aproxima de algo praticado pelo Anaal Nathrakh, acrescentando aí, algumas influências com o Gothic Metal. Vocês concordam com isso e por quê?

Misanthrope: Nós somos mais ou menos da mesma idade dos caras do Anaal Nathrakh e acho que acabamos sendo influenciados por coisas similares. Acredito que isso vem primariamente da linguagem Grindcore e Industrial que as duas bandas compartilham em seus temas. Curtimos muito o som dos caras, mas acho que não fomos influenciados, ao menos conscientemente, por eles. A questão do Gothic, eu acho que somos mais influenciados por coisas de Gothic Rock e Death Rock do que Gothic Metal propriamente dito. Ouvimos muito Bauhaus, Sisters Of Mercy, Christian Death, Alien Sex Fiend e tantas outras. Mas é fato, este elemento gótico é um dos pilares que determina nosso som.

“Idiots Savants” se mostra diferente do que é comum no Metal nacional desde a sonoridade até a arte gráfica, dando um ar de pioneirismo à banda. O que vocês podem nos falar sobre isso?

Thormianak: Acredito que sejamos pioneiros no Brasil,mesmo! Mas por dois simples fatos.  O underground Metal possui muitos dogmas e tabus ainda. Existe uma linha muito tênue entre radicalismo consciente e fanatismo religioso. Quem passa dessa linha tende a ficar alienado no mundo “true” e a criticar com fundamentalismos tudo e todos os “diferentes” que aparecem. Também existe uma linha muito tênue entre experimentalismos e ‘porralouquisse’. Quem passa dessa linha faz com que qualquer coisa ou pessoa se torne “arte”, criando um aspecto hippie, passivo, alegre e descompromissada das coisas. Então ninguém se arrisca, e quem se arrisca corre muitos perigos, por estar sempre nesse “fio da navalha”. Estes são os entraves mais fortes, em minha opinião, pra que surjam bandas inovadoras. Tentamos nos livrar desses dois momentos supracitados, abrindo nossa mente e consciência musical mas sem excessos constrangedores e mal acabados.

Como tem sido a repercussão do trabalho até o momento, tanto por parte de público quanto por parte de crítica?

Thormianak: Só tivemos ótimas criticas tanto do publico com dos meios de comunicação, estamos contentes e confiantes com isso. Foi um trabalho duro de encarar pra nós dois, pois estávamos nos expondo. Literalmente saindo do armário das pessoas “normais” onde todos são foda e ninguém nunca tem medo.  Não pensamos duas vezes ao falar pra todos como somos vermes podres de verdade. Tudo foi feito com sangue e lágrimas, ingredientes importantíssimos, que você pode ter certeza que jorraram de fato.

Vocês pretendem realizar shows? Afinal, além da sonoridade complexa vocês são somente em dois?

Misanthrope: Com certeza, estamos preparando um show de lançamento bem especial para celebrar o “Idiots Savants”. Estamos com uma formação ao vivo muito sólida totalizando 6 integrantes. Somos privilegiados em ter ajuda de nossos amigos do Miasthenia, Device, Vultos Vocíferos, Cabrunco e Final Trágico para completar nosso time nessa parte ao vivo. Estamos bem ensaiados e com músicos tão brilhantes nos ajudando nós temos as melhores expectativas possíveis.

O Omfalos é apenas um projeto ou pretende se consolidar como uma banda?

Misanthrope: Definitivamente somos uma banda. Apesar de mantermos o núcleo de composição somente em nós dois, já não somos mais um projeto. Estamos produzindo bastante material novo e pode ter certeza que estaremos ainda mais ativos neste ano de 2012.


Podem deixar uma mensagem.

Omfalos: Obrigado pelo espaço cedido. Deixo aqui um pequeno trecho de um poema de um grande amigo nosso:

“...Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.
E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado...”
Fernando Pessoa, Poema em Linha Reta.

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